sexta-feira, 23 de maio de 2014

Cadeiras
Eu e Eça de Queiros no Vilarino . Foto Fernanda Correia Dias

Cadeira 1.
Levei o Eça para o Vilarino. Comi salame com passas e bebi suco de laranjas enquanto lia.
Pensei em todas aquelas cadeiras e nos encontros dos sentados com os que chegavam.
Costumava frequentar o Vilarino quando criança e adolescente ao lado de minha mãe, a Maria Mathilde.Comprei as caixinhas vermelhas de passas que ela comprava para mim e pedi o salame no pão, para celebrar aquele meu encontro com a mamãe, o espaço, as mesinhas e cadeiras do mesmo chão de pastilhinhas raras. Foi uma tarde de leitura, com um sentimento de afeto transbordante reencontrado e a linda moça da caixinha vermelha de passas igualzinha a mamãe me olhando...

Cadeira 2
Levei a carta do Banco na bolsa para falar  com o gerente. Sentei na cadeira para esperar o atendimento e vi que Vieira estava ao meu lado.A vida tem estas  maravilhosas arrumações onde pessoas que você nunca mais soube por mais de quarenta anos, onde andaram e onde andam, um belo dia estão sentadas ao seu lado.
Então eu cedi meu lugar ao lado de Vieira para a senhora que chegou. Fiquei em pé. Mas subitamente a cadeira do outro lado de Vieira, ficou também vazia e todos me olharam esperando que eu sentasse. Sentei. Num único dia, sentei duas vezes ao lado de Vieira e resolvi dizer para ele que eu sabia que ele era ele. Ele que um dia, quando eu tinha 15 anos, me informou :Você que é tao inteligente e talentosa deveria fazer o vestibular da Puc para estudar Desenho Industrial academicamente... E me avisou que a Puc tinha aberto um vestibular isolado e com prova de português eliminatória.Eu já fazia peças de acrílico, roupas, bolsas, sapatos, moveis quando ele me informou isso, mas por toda a minha vida profissional estive ao lado do Vieira porque passei naquele vestibular isolado. Inclusive as minhas filhas que também são designers e que nunca viram o Vieira, sabem que ele me deu aquela informação. Falei isso para ele, e ele que não se lembrava disso ainda ouviu: Qualquer dia tomaremos um cafe com as meninas e elas vão te dizer que você, Vieira,  sempre esteve entre nós.

Cadeira 3
Querida, querida, (levantando-se da cadeira que eu sentaria para testar o óculos) tenho que ir para a minha aula de canto, porque hoje é dia de cantar no meu coral, foi o que disse a tia da balconista da ótica... 
_E onde você canta tem lugar para mais uma? Perguntei.
_Tem, vem, vamos e eu fui! Eu canto porque o instante existe*...
Peguei o óculos e parti. Sou soprano.
Perguntar  é ótimo.
.* Motivo de Cecilia Meireles

Cadeira 4
Eu gosto quando os rapazes que me acompanham me oferecem as mãos para descer de alguma escada, o braço para subir ou que ofereçam a cadeira.
Eu gosto da minha educação que pratica gentilezas e se tem alguma coisa na minha vida que eu nunca me arrependo é  de ser gentil. A gentileza é  a pratica do humanismo. Mas nem todos sabem.
Deviam saber.

Fernanda Correia Dias
in Cadeiras







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