sexta-feira, 2 de maio de 2014

Auto-retrato III Fernanda Correia Dias

Tenho me perguntado sobre os meus retratos. Numa montanha de caixas e caixas de fotografias, apareço raramente. Sou sempre a que está fotografando. Quase nunca a fotografada. Aos 9 anos pedi e ganhei da minha mãe uma máquina fotográfica de nome TUCA. Essa máquina tinha um botão vermelho e muito duro para clikar. Até que meu dedo afundasse sobre o botão a foto já estava toda estremecida. Controlar meu pulso e respiração para dar estabilidade na foto foi uma tarefa árdua, porque tive que treinar também meu dedo para ter força e direção no instante de apertar o botão. Pode parecer simples hoje quando nas câmeras dos celulares ao tocar no ícone a câmera dispara... Mas naquela maquina era trabalhoso! Além do mais a minha mão e dedo eram pequenos.
A máquina era praticamente um pin-hole em matéria de recursos. Mas foi um divisor de águas na minha vida.Era a minha segunda companhia.Mudava o nome para Xeretas, Instamatics... Kodaks, Tarons, Canons, Hasselblads, rolleiflexs...Pentaxs...Mas era sempre uma máquina fotográfica que eu trazia na mão, na bolsa, no pescoço...A primeira companhia era um caderno bonito que eu ganhei da minha Avó Cecília Meireles, com dedicatória para escrever as minhas poesias e onde eu já tinha escrito meus primeiros poemas.
Relendo o que escrevi acima compreendo que por todos estes anos sigo sendo a mesma, fotografia e escrita ou. fotografar e escrever e escrever e fotografar. desenhar e escrever, escrever e desenhar...
Mudaram as máquinas, só as letras são as mesmas. Este alfabeto que a gente junta letra, bolinhos de palavras, frases de linhas em que as letrinhas vão dando as mãozinhas umas às outras, como nas agulhas de crochê e de tricot e vamos escrevendo diferentes e parecidos uns com os outros as mesmas histórias de todos e dos tempos. As mesmas. A vida é a dona da nossa capacidade de dar afeto. Me pergunto por que só a minha mãe lembrava de tomar a máquina da minha mão e tirar ao menos uma única foto minha com todos ou sozinha...Talvez porque ela conhecesse muito bem esse assunto. Era também sempre ela a faltar na foto que ela era a fotógrafa...e porque foi ela que me deu a primeira câmera, sabia muito bem o que me estava dando... Uns fotografam porque sabem e outros sabem por quê estão fotografando. Maravilhosa.
Fernanda Correia Dias
in Geografia familiar




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