segunda-feira, 17 de junho de 2019

Último lance das escadarias do jardim da casa da Vó Cecília Meireles no Cosme Velho
Foto Fernanda Correia Dias

Parte a haste onde pousas.
Parte o voo da ave.
Leva na ponta da asa,
o cristal da minha nave.

E mesmo que ainda lave
a flor de ar que te leva,
não sigo o segredo que flore
na dança da suave esfera.

Feita de sombra e de lacre
confiada a simples mensagem,
some no espaço que larga
as rédeas da carruagem.

Fernanda Correia Dias, 
Rua Smith de Vasconcelos, 30. 
1971

Este poema acima, escrevi quando retornava para casa. Subi as escadas do jardim correndo, as escadas de acesso ao meu quarto, agarrei um papel e uma caneta, escrevi, depois tirei toda a roupa e caí na cama. Mais tarde, peguei o poema escrito aos garranchos e desci com ele na mão até o patamar do primeiro lance de escadas, onde eu via minha mãe sentada na poltroninha de seda amarela , lendo. Avisei para ela: Ouve o que eu escrevi! E li. Ela olhando para o livro no colo dela, me respondeu: Fernandinha põe esse poema no arquivo que você tirou.Perguntei: Qual? Ela continuou: o arquivo de sua avó, a minha mãe, Cecília Meireles! Não, Mãe... esse poema não é da vovó. É meu. Estou lendo para você me dizer se gostou. Eu não tive nenhum trabalho, ele surgiu assim, inteiro.
Leia novamente, ela me pediu e eu li. Ela me disse, Fernandinha, esse poema não foi escrito por sua avó? Ponha lá no lugar que tirou! Respondi, eu não posso fazer isso. Eu escrevi esse poema horas atrás, porque ele apareceu assim, inteiro em mim. Eu vinha da escola, a pé, e ele veio tomando conta de mim, para não esquecer, como já esqueci vários, escrevi correndo e sem folego para fazer boa letra. Ficaram esses garranchos.
Escrevi nesse papel das maçãs que comprei no mercadinho ontem.O primeiro que encontrei.
Para mim, é um elogio você me dizer que eu tirei da pasta da vó Cecília, mas vou te informando logo: Não posso levar para a pasta, porque fui eu que escrevi. 
Ela endureceu e insistindo, me fez chorar. Depois me abraçou me consolando e me disse: Muito bonito, meu amor, mas muito parecido com os poemas de sua avó Cecília. Perguntei, sentada no colo dela e abraçada por ela: Sabe o que é? Não. O que é? Uma lágrima. Uma lágrima descendo do rosto. Uma lágrima?  Leia novamente! ela me pediu. Eu li. Muito bonito, Fernandinha! Mais bonito ainda depois que você me contou que é uma lágrima.
Fernanda Correia Dias
in Meu primeiro poema inteiro



2 comentários:

  1. Ma-ra-vi-lho-so!! Lê-se muito a sua avó nele, muito mesmo. Sinal do amor mútuo entre vocês ❤️

    ResponderExcluir
  2. Ah... Telma! Minha Tia Elvira me disse o mesmo e eu gostei de ouvir de você e delas, apesar de não ter noção onde está a evidencia?!
    A musicalidade?
    O assunto?
    As palavras?
    Quando li para minha mãe queria que ela me dissesse que ouvindo o que eu lia, ela sentia uma lágrima descendo na minha face. Ela me disse que só depois que eu disse que era uma lágrima. Então ela sentiu. Quando me perguntou o título do poema eu disse que não tinha, mas que poderia ser Mensagem.
    Et voilà,la vie!
    Beijo, Telma, agradecida pelo belo Ma-ra-vi-lho-so!! do seu lindo comentário e da sua percepção de amor mútuo.
    Eu também penso, como a minha avó Cecília Meireles escreveu: "A Poesia é a coisa mais séria do Mundo!Tudo o que é grande, belo, extraordinário, raro, invulgar, transcendente; tudo o que atinge o excepcional para roçar as barreiras do infinito, quando lá chega, tudo isso é Poesia." Penso que a poesia é a coisa maior e mais importante do mundo, porque nela cabe tudo que é imenso! Outro beijo, Telma, da Fernandinha

    ResponderExcluir