quinta-feira, 9 de julho de 2020

Vieira.  Arte e Fotografia de Fernanda Correia Dias

Você já naufragou? Eu já.
Tenho até Medalha Heroica de Náufraga. E é uma Honra.

Uma medalha branca, colocada no meu peito em cerimônia na Escola Naval com a presença de 14 ou 16 almirantes, em círculo na entrega.
O que aconteceu? 
Fui convidada pelo Grêmio de Vela para participar de um simpaticíssimo almoço  com a presença de 14 ou 16 almirantes e aspirantes do Grêmio. O programa do dia incluía uma velejada de confraternização, antes de almoçar! 

_Sairmos com a frota de  barcos à Vela do Grêmio da Escola Naval e chegarmos até à entrada da Bahia de Guanabara e dali, retornarmos? Sim! Claro, que sim! Aceitei.

 No  barco que eu embarquei, além do comandante aspirante da Escola e dois aspirantes tripulantes, estava o maior numero de almirantes convidados e reunidos num único barco daquele dia. Eram oito no que eu estava!

Na camaradagem e brincadeiras, ouvi a provocação típica de velhos-meninos: num barco com tantos homens experientes e sábios, todos "pés quentes" a única mulher nessa  velejada, não traz os pés "frios" ?

Assim sendo, eu a designer da Camisa Oficial do Grêmio de Vela da Escola Naval, fui a primeira a embarcar antes de todos, quando o guindaste colocou o barco sobre as águas.

Os aspirantes vestiam a coleção de roupas que criei especialmente para eles, que em Ilha Bela, foram eleitos, "os mais bem vestidos".

A camisa e as parkas de verdadeiro algodão 100%, trazem estampado nos tecidos,a carta náutica,  o mapa da Bahia de Guanabara e da Ilha de Villegagnon, onde está situada a Escola Naval e dentro dela o Grêmio de Vela. É mesmo uma solução que eu mesma idealizei e gosto muito! Fui eu, com a minha mãozinha, que desenhei tudo à nanquim e planejei as proporções de cores , dimensões e técnicas de estamparia... E são mais belas quando os jovens rapazes aspirantes atletas enfeitam a coleção com feitos históricos, elegâncias e juventude.

Os demais almirantes convidados, além daqueles oito, que foram comigo, estavam distribuídos nos outros barcos de toda a frota.

Foi linda  e veloz a viagem.
A embarcação propelida pelo velame voava, o dia estava esplendido para velejar e quando retornamos às águas de Villegagnon, com muitas pedras ao redor, percebi o panico entre os aspirantes, e para minha surpresa, entre os almirantes do meu barco também.

É que estávamos mesmo, sendo jogados e batendo casco nas pedras. O aspirante comandante do nosso barco, tentava dar partida no motor para forçar uma ré que nos afastasse das pedras e o motor não pegava. Alguns almirantes, davam pernadas nas pedras, impedindo o choque do casco e enquanto tentavam, o motor não pegava. Eu insisti que alguém poderia nos rebocar, ninguém me ouvia, o panico crescia e o motor não pegava. Pedi ao aspirante tripulante que lançasse um cabo ao barco mais avizinhado da proa, e o motor não pegava. Lançaram um cabo, o cabo foi n`água, lançaram um segundo cabo e foi n´água, não tínhamos mais cabo e o motor não pegava!As pedras socavam o casco, o barulho e as pancadas aumentavam. Éramos um barco pesado e um almirante pulou na pedra, mas retornou ao barco. E o motor não pegava. Pedi ao aspirante distante num barco, um cabo e ele não sabia por quê, mas me lançou. Gritei para outro aspirante, num outro barco mais próximo da nossa popa, mas  mesmo assim ainda distante que olhasse para mim e nos rebocasse, e no berro lancei o cabo certeiramente nas mãos dele, e ele pegou e nos rebocou.

Em frações de segundos, deixamos de ser náufragos para sermos salvos por mim.
Toda a inegável  experiencia, pratica, sabedoria, juventude que continha aquele barco, naquele instante, precisava dos meus pés frios para pensar no que fazer e lançar o cabo certeiramente para reboque.

Só ali a frota entendeu que o nosso barco esteva à deriva se batendo, pesado, contra as pedras.

Vi senhores almirantes de olhos saltados das órbitas com as calças enroladas nos joelhos, recolhendo remos com os quais tentaram nos afastar em vão das pedras, vi os rapazes boquiabertos admirados que eu, a unica mulher em toda a frota, tivesse realizado o feito de salvar-nos lançando certeiramente e uma única vez o cabo que nos arrancava daquela arrebentação.
Ouvi nos outros barcos o meu nome de voz em voz e saí dali, heroicamente sem saber que esse pequeno gesto merecia medalha e me fazia heroína. Me fez.

Passados tantos anos, percebo que de fato estivemos num grande perigo, digno de manchete extraordinária na mídia com fato tão insólito e desconcertante!


Barco à vela de propriedade da Escola Naval,
comandado e tripulado por aspirantes do Grêmio de Vela da Escola, 
contendo 8  almirantes embarcados e uma designer,
naufraga contra as pedras da Ilha de Villegagnon 
após retorno de velejada de confraternização.

Mas isso não aconteceu. A heroína desembarcou do Sargaço  e embarcou na Ilha de Villegagnon para almoçar e receber a surpreendente medalha heróica do Almirante da Escola Naval.



Fernanda Correia Dias
in Tenho até Medalha Heroica de Náufraga. E é uma Honra.
ou maravilhosas lembranças da Escola Naval e essa é uma delas!



5 comentários:

  1. Que historia mais linda!! Emocionante! Um viva aa naufraga mais sabia e formosa e condecorada da Baia da Guanabara ❤️

    ResponderExcluir
  2. Ah... Telma! Essa história não é mesmo divertida?É que encontrei a medalha e fiquei pensando que se não tivesse encontrado, talvez nem me lembrasse mais desse assunto! Águas passadas não movem moinhos, mas essas ainda movem! Muita gente me ligou para me dizer que os uniformes que criei para o Grêmio de Vela da Escola Naval ultrapassaram as circunstancias do Grêmio e passou a ser amado e usado por toda a Escola, como uma identidade!
    Quando li que você escreveu corretamente "baía" com o agá lembrei de Dorival Caymmi e descobri que eu e ele somos do "tempo em que se escrevia Baía com agá"... a dele, bahiana, segue com agá a da Guanabara talvez nunca tenha tido e eu inventei ou as cartas náuticas me ensinaram o anacrônico... Eu nunca percebo, porque leio muito livro de ortografia vencida, aqueles de antes de 1911... 1964...e os de depois também...
    Amei!!!! Quantas saudades, Telma, você é sempre tão excelente companhia!!!
    beijos da Fernandinha

    ResponderExcluir
  3. Errata: Telma escreve e escreveu baía sem agá! Eu é que escrevi com agá !!!
    Telma mantém o português atento, puro e casto!
    Eu é que misturo ortografias antiquas com atuais.
    Outro beijo, Telma querida! Muito querida!

    ResponderExcluir
  4. Fernandinha querida! Não tenho esse português casto assim, não =) Mas quero agradecer pelo seu carinho, tão sensível e afetuoso. Meu coração fica quentinho quando te lê... ❤️ No dia que escrevi essa mensagem acima (20 de julho) estava um frio cortante em São Paulo; meu teclado é antigo e a tecla do acento agudo emperra quando faz muito frio. Por isso escrevi tudo sem crase e sem acento agudo. Para fazer as vezes da crase, tive de colocar "aa", como faziam antigamente. =) Também tenho predileção pelo português da nossa infância, e preferiria continuar a usar "h" em baía, trema em tranquilo, acento em ideia... ❤️ Beijo grande, sua linda!

    ResponderExcluir
  5. Ah.... Telma.... idéia/ideia, então é mesmo um problema, porque eu corrijo até o corretor! e se fosse só isso, mas não é. Eu não sou profissional,mas sei o estrago que faz um revisor ou um copydesk/copidesque ao formatar mudanças e aquilo que eles chamam de aperfeiçoamento do texto! Praticamente nasce um outro autor montado em cima do autor original pesando patas e patadas de cimento. Quando vc quiser entender o que é que eu penso sobre um revisor, visite o livro Cânticos de Cecília Meireles, aquela primeira edição criada por mim, que traz por dentro o meu nome (que depois algum revisor subtraiu das edições seguintes!) mas detenha-se em comparar o manuscrito com o próprio manuscrito de Cecília...A beleza do sentido brotando marmóreo do que realmente interessa consolidar em letras. Um apurar,luzindo ao essencial. Ela sabia tudo e sabia fazer o que nos ensinava: " uma coisa importante deve ser pensada e escrita de modo importante." Cecília Meireles. Ela tinha mesmo aquela "capacidade de fazer cirurgia em borboletas - Era uma Deusa - como escreveram Drummond e Bruno Tolentino.

    Beijo Telma!
    Beije a Margarida e a Marta por mim!!!
    Carinho por vocês, meu, da minha mãe Maria Mathilde e da minha avó Cecília Meireles

    ResponderExcluir