sábado, 13 de abril de 2019


Ventania no céu. Foto Fernanda Correia Dias
Ventania no céu . Foto Fernanda Correia Dias

Cada um, dos envolvidos e que compareceram ao chamado, individualmente,  ditou contradições, que ficaram escritas no papel. 
Não podem ser superpostas, as cenas do que disseram, como um retrato contendo cada vez mais nítida a cena, porque os locais da mesma cena, divergem geograficamente. Os nomes das pessoas presentes na cena, divergem. A quantidade de pessoas, na cena, também. Quem trouxe, quem levou. Quem pagou, quanto pagou. Sabe por quê? Porque ela, a história, o fato, não existiu. Nunca existiu.
Aquilo que nunca existiu mas se materializou com tinta sobre o papel, é uma falsidade. Falsidade Ideológica.
Artigo 299 do Código Civil Brasileiro "Omitir, em documento público ou particular, declaração que dele devia constar, ou nele inserir ou fazer inserir declaração falsa ou diversa da que devia ser escrita, com o fim de prejudicar direito, criar obrigação ou alterar a verdade sobre fato juridicamente relevante.".
Li que a pena é reclusão de um a cinco anos e multa - quando o objeto da fraude é publico.

E o céu estava laranja, azul, cinza e amarelo.

Uma avalanche de sentidos e memorias de fatos graves, que habitavam meu coração correu líquida e transparente como um rio veloz e luminoso na sala.
Eram remotas lembranças da minha infância e aqueles baldes de água com gelo, sobre as portas entre-abertas , armadilhas para cair sobre nós; barbantes nos amarrando e machucando os pulsos ou atravessando o caminho, nos impedindo de passar; panos amarrados sobre nossas bocas; olhos; banheira com água fervendo; as horas e horas que ficamos trancadas e esquecidas propositadamente por você, dentro dos seus armários embutidos; nossas bonecas-bebes francesas, estripadas, esfaqueadas diversas vezes no peitinho, no rostinho, amarradas e penduradas pelos pezinhos no lustre da sala... 

E da infância para a adolescência as barbaridades. MaturIdade? Impunidade?

Outro dia, a minha mãe desmaiada sobre meu corpo enquanto o leiloeiro chamava por microfone, a presença de um médico. Da sua criminosa omissão. Sua e da Marcia, ambos médicos, casados, dos quais ela foi madrinha de casamento e ambos criminosos porque presentes, se omitiram a prestar socorro. Motivo? Não conseguiram comprar o quadro que ela comprou, no leilão. O retrato da mãe dela, pintada por Arpad.
Salvei a minha mãe desmaiada, naquele dia trágico, porque a internei no CTI do Pró-cardíaco. Assim como salvei inúmeras vezes a sua mãe, minha tia, no seu abandono, solidão e desassistência. E ela naquela fragilidade. Ela e o "Filho-Monstro", que ela extremamente doente me implorava para que eu convencesse minha mãe para deserdá-lo.

E o céu estava rosa , alaranjado, acinzentado e as nuvens mais escuras foram para longe.


Então? Você recebeu por mensagem eletrônica a fotografia do depoimento do seu primo, porque sua advogada, a mesma dele, fotografou e te enviou, em quadrilha, tão logo terminou o depoimento dele.
 Mas você  não decorou a mentira ou no depoimento não tinha as respostas das perguntas que te foram feitas. Então para responder à juíza, você inventou. 
Monstro! 

Você saiu dizendo para a sua advogada e enteado:" Eu tentei, eu tentei, fiz tudo o que pude!"
É? 
Tentou? 
Salvar a quadrilha? A sua pele e a do seu primo?
Sentiu que não conseguiu? 

O céu está  branco e luminoso como uma linda  folha de papel límpida e amável. 
Um sentimento de novo dia circula no ar.

Fernanda Correia Dias
in Anotações sobre aquele dia





6 comentários:

  1. Tão lindo seu texto, Fernandinha... mas também tão dolorido...! "Mas a vida, a vida, a vida... a vida só é possível reinventada". Sarah e eu achávamos que pazes seriam feitas. Mas que sabemos nós da vida, do que se passou?
    "Anda o sol pelas campinas e passeia a mão dourada pelas águas, pelas folhas … Ah! tudo bolhas que vem de fundas piscinas de ilusionismo — mais nada".
    Eu cada vez sei menos. De tudo: do meu entorno, do mundo, das pessoas, da família, dos amigos, ou de mim. Mas o que vale mesmo é o eterno, não é? "É preciso salvar apenas o eterno das coisas".
    Beijo enorme, querida <3

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  2. São muito anos de impunidade e no mínimo 12 anos, desde 10 de outubro de 2007, que os mentirosos, insistem com a mentira no papel.
    Quem é de verdade sabe quem é de mentira, Telma.
    A vida só pode ser compreendida olhando para trás e só pode ser vivida olhando para frente.. O mundo é de quem está feliz de levantar-se, e de"salvar apenas o eterno das coisas". Beijo agradecido, Telma, na Sarah, também.
    Fernandinha

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    1. Sou solidária a você, querida, a todos que sofrem. A ideia (ou ilusão) que Sarah e eu tínhamos, de um apaziguamento, de um "final feliz", desconhecia a profundidade da dor. O final feliz deixa de ser ilusão quando você está feliz, Fernandinha. Se você está feliz, a paz se fez em seu coração. E vice versa.
      E isso é tudo ❤️❤️❤️

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  3. Telma e Sarah, ninguém sabe tudo, só a nossa alma conhece mais. Eu estou em eterna Paz e disposta a aceitar todos os pedidos de desculpas que jamais me foram feitos, apesar das profundas lesões que me causaram. A vida é breve e larga. E, para frente. De vez em quando, olho para trás, porque eu aprendi a me socorrer, a me levantar, a abrir a porta para os que ainda são reféns."Dar a serenidade dos meus olhos/ Aos cegos, /Para verem,/E, aos enfermos,/ Dar a minha coragem/ De caminhar! - Cecília Meireles, Poema da Renúncia in Poema dos Poemas
    Beijo Telma, em você e na Sarah da Fernandinha

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    1. Obrigada, Fernandinha.. ❤️ Segundo uma sábia poeta, nosso eu-amanhã convive com nosso eu-ontem neste nosso eu-hoje que está/estão a conversar entre si e uns com os outros. O que eu serei já se encontra no que sou ou fui. Algo assim foi/seria dito por Cecília, claramente de forma muito mais poética (parte está na crônica em que ela narra um encontro com Drummond).
      Eu olho demasiado para trás (é o que me dizem), mas me sinto bem assim. Olhar para trás (assim como olhar para a frente) também é/será/seria uma forma de olhar para dentro. Beijo enorme, Fernandinha! Adoro tudo o que você escreve ❤️❤️❤️

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  4. Telma, eu não pedi, mas foi ela* que me ensinou e eu aprendi. Talvez porque ela soubesse antes de mim, que eu ia precisar:
    "Desejo que a Beleza esteja ao norte e ao sul, a este e a oeste de mim, que a Beleza esteja acima de mim, que a Beleza esteja abaixo de mim..."
    Prece Matinal dos Peles-Vermelhas

    *ela, minha avó materna, poeta, escritora,desenhista, pedagoga, jornalista, fotógrafa, Cecília Meireles

    No dia que eu acordei, depois de ter dormido dois dias seguidos,naturalmente e acordada por minha mãe, em casa da Avó Ceci, escrevi:

    Amanhã não serei eu hoje, amanhã, serei não sei. Hoje sou não sabia. Quando poderei ser tudo que posso ser?
    Eu acredito na vida, no homem e no trabalho.

    Beijo Telma, em você a na sua linda e luminosa capacidade de compreender e expressar Cecilianamente. Bravô! Bravô!

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