Borboletas . Arte Fernanda Correia Dias
Borboletas . Arte Fernanda Correia Dias
Ah...
Elviram do Ipiranga às margens plácidas?
96 anos! Viva e brilhante no meu
coração.
Já teríamos
ligado cedo para cantar parabéns para você pelo telefone e a estas horas ainda estávamos
certamente em algum programa comemorando.
Você estaria
nos fazendo rir com suas brincadeiras, ou nos ensinando a dobrar os papelinhos
encerados e coloridos para montar os origamis, ou a procurar as palavrinhas nos
dicionários. Ah... Como era boa a sua companhia delicada! Muitas histórias
seguidas e emendadas umas nas outras, muitas lembranças lindas. E uns haicais?
E uns poetas japoneses? Uma pinturinha num envelopinho? Uma notícia do meu
signo chinês... Esse azulzinho que você
está vestida me lembra um vestidinho que vai ficar ótimo em você: vai ali,
abre a porta do meu armário, mais para esquerda puxa para fora o cabidinho que
tiver algo azul... Esse! Esse! Vem cá, deixa eu te vestir com ele, vai ficar
ótimo, dá uma voltinha, três passinhos para trás, olha nos espelhos da porta do
armário, gostou? É seu! Ficou lindo em você. Eu comprei no Havaí. Não cabe mais
em mim, mas eu vou adorar olhar para você vestida nele! Ficou ótimo com a sua
sandália e essa sua bolsa de palhinha. Falta um chapéu! De palhinha! Pega ali
em cima do armário! E lá estávamos nós duas saindo para almoçar na Siqueira
Campos ou indo ao Leme, e eu, produzida e vestida por você! Um gesto de carinho
seu, comigo, porque me amavas. Assim era também com outros vestidinhos,
roupinhas e biquines para irmos à praia. Você me acolhia no seu amor, e eu te
cuidava.
Me ensinavas
umas bossas novas, uns sambinhas, umas canções, o barquinho... Me ensinavas a
dedilhar o violão.
Gostava
quando você abria os seus livros para ler um
algo muito importante, que eu precisava
saber.
Você ia
direta e certeira na mensagem que queria me entregar lendo na sua própria voz para
que eu ouvisse, enquanto apontava as linhas que lia, ombro à ombro comigo, e o
esmalte das suas longas unhas suavemente sobre as letras, me encorajava ao
abstrato e descortinava o sentido que aquele parágrafo acrescentava à nossa
conversa. Tínhamos mesmo esse hábito de a qualquer hora ou momento nos
encontrarmos frente a um específico livro e em seguida você localizava outros
complementares e já estávamos no recamier ou sobre o imenso tapete vermelho,
sentadas, lendo e localizando.
Eu, semana
passada falei de você, para uns amigos atentos, sensíveis e inteligentes,
porque precisei falar sobre seu pai, meu avô, de quem herdei o nome, o Fernando
Correia Dias.
Falei porque
me lembrei de como vocês três, filhas, e a vovó e o vovô tinham a prática de
uma excelência em tudo o que faziam, com as mãos, com a inteligência, com os
sentimentos e o bom senso. Essa excelência que a maioria identifica como bom
gosto, mas que é a extensão de sentimento reunindo inteligência e sensibilidade
expressando estética apuradíssima, equilíbrio irretocável. Harmonia.
Isso é tão
raro. Tão raro.
Lembrei de
até na forma de pousar um talher, de estender uma coberta, de eleger uma única cor,
porque nem estou falando de composições, arrumações, harmonizações, mas do modo
de agir na necessidade de uma ação, tudo trazia a presença da excelência inédita,
resposta precisa, para aquele instante.
Depois de
vocês, essa excelência em naturalidade e equilíbrio, que vocês e diversos, reconheceram em mim, reconheço na Gaya e na Kenya.
Lembrei dos
doces de alfenins de Carlos, seu avô materno, quando recortava borboletas
prendendo-as invisivelmente em alfinetes para sobrevoarem as delícias que
praticava por prazer e alegria, e também de como Vó Cecília escreveu para
Armando Cortes Rodrigues, descrevendo a minha trisavó Jacinta: “...Ora, o que a
cultura não lhe deu ela trazia em si com uma força quase explosiva. E era uma
mulher de tão bom senso que nunca deixou de resolver com acerto os seus
problemas; de tão bom gosto que ainda hoje eu mesma sou a sua aluna de estética;
de tanto sentido prático, que conseguiu desembaraçar-se de todas as confusões
em que mergulharam dez anos de mortes consecutivas e dinheiros esparsos, e
ainda me legou a sua casa ao morrer. Para uma mulher ter atravessado tudo isso
fiel às suas saudades, absolutamente só, em suas aflições, é necessário possuir
qualidades muito poderosas, que não se encontram constantemente nessa
proporção, e com essa eficácia. E não se esqueça que o meio só lhe podia ser adverso.- Cecília Meireles"
Fernanda Correia Dias
in Feliz aniversário, Tia Elvira!
Que homenagem mais linda! Me emocionou, Fernandinha. Que sigas assim, elegante e linda e natural e admirada, como suas ilustres e queridas antepassadas, que são também nossos objetos de admiração ... ❤️❤️❤️
ResponderExcluirTelma! Como vai você?
ResponderExcluirAh! Minha Tia Elvira é uma querida, de quem cuidei e cuido até hoje. Meu coração não existe sem o dela e sem os delas! Ela me amava e me dedicou muitos anos maravilhosos. Ela foi de uma sensibilidade específica,dedicada e especialmente delicada comigo. Visitávamos exposições,museus, livrarias, bibliotecas e ela gostava de me ensinar infinitamente o que sabia. Era moderna, contemporânea até aos dias de hoje. Dela ganhei a surpresa da minha primeira mala de pintura com tubinhos de tinta à óleo com que pude pintar o que imaginava em tela de algodão.
Foi a Tia Elvira que me apresentou ao que minha avó Cecília Meireles, contou de mim, ao Pedro Bloch e ele publicou num livrinho dele. Ela tirou esse livrinho da estante, diversas vezes. Lembro que a primeira pintura que fiz com tinta óleo, foi um cavalinho branco sobre fundo preto, numa tela de uns 50 cm, e que o cavalinho não estava parado e tinha as quatro patas como fora do chão, e todo ele mergulhado na escuridão.E era tão definido e figurativo, todo branco. Dizem alguns que é o cavalo dos vencedores prazeirosamente no ar. Mas quando pintei, não pensava nisso. Ela gostou imenso do cavalinho.Mas era assim mesmo que eu me sentia naquele tempo e acho Telma, que apesar de tudo e de todos, ainda me sinto assim, porque as histórias felizes são sempre muito poderosas.
Saudades, Telma!