quinta-feira, 7 de maio de 2020


Cabochard da Mamãe . Foto Fernanda Correia Dias

Quando eu estava com três anos, minha mãe ganhou seu primeiro vidro de Cabochard.
Ela nunca usou outro perfume, mais do que esse.
 
Foi por esta época, meses antes ou meses depois, que eu me ensinei a me curar com perfume. Bastava sentir uma saudade e ela doer, que eu ia no armário da mamãe e abria a gaveta dos perfumes. Encontrava o que me curava de saudades e passava no meu braço. Se eu estivesse com dor de cabeça, de barriga, etc... Era capaz de cuspir o remédio, para buscar o perfume. Tinha que fazer escondido, porque minha mãe não acreditava. Eu sei que foi assim, que eu aprendi  sozinha a curar as minhas mazelas com perfume. Não adianta me perguntarem, qual perfume serve para o quê, porque não é assim que funciona. Eu tenho que estar sentindo algo. Uma fraqueza; pressão baixa; uma dorzinha na coluna; no músculo; um machucadinho na pele. A cabeça pesada; um cansaço imenso; preguiça...Enjoo; cólica; mal estar....Me aproximo dos perfumes, pego quase sempre o que me cura de todos os males: Cabochard. De modo, que se você encontrar o perfume perto de mim, na minha cama, na minha mão, são será para impressionar nem seduzir ninguém. Será exclusivamente para o meu bem estar. A minha cura. Duas ou três gotas entre o braço e o antebraço, nos dois punhos e debaixo das narinas.
 
Naquela época os vidros de Cabochard, eram de cristal e traziam uma fita de veludo dando um lacinho no gargalo,antes de posar a tampa de cristal, onde em alto relevo , vê-se o "G" de Madame Grès dentro da pastilha de vidro. Era linda a montagem da caixa cartonada, coberta de papel branco com varias linhas pretas cruzando-se. Então sobre uma facha branca você lia: Cabochard, em letra manuscrita, parecendo com a minha própria letra. Acho que foi também uma das primeiras palavras que eu aprendi a falar. Mas a tampa,era uma caixa imensa que levantada deixava nas nossas mãos o vidro de cristal, encaixado no pedestal da base! Lindo o movimento da revelação! Mágico!
 
Semana passada, depois de 45 dias em quarentena Covid 19, resolvi buscar o Cabochard, passar no meu braço e deixar que ele me curasse desse mal estar de todas as manhãs: Falta de sol esplendido, para me tocar a pele do corpo todo e apenas uma nesguinha, um raiozinho que chega numa fatia estreita de 15 graus... Um nadinha, que eu agradeço ser alguma coisa... Mas o Cabochard é poderoso. Restabelece todas as sinapses, alinha os chacras, me põe no prumo para trabalhar com entusiasmo, mesmo sem esplendido sol! Não fosse a minha sorte, de ter avó escritora - minha avó materna é a grande poeta Cecília Meireles- que deixou escrito e revelado, em carta para Armando Cortes Rodrigues, o poeta açoriano, que ela também se "curava com perfumes" eu jamais saberia explicar como foi que sem literatura específica, ou estudos de aromaterapia, consegui essa proeza, que só se justifica, sendo a força da genética na herança do meu sangue. Quando li esta carta, eu já praticava as minhas curas há muito! Já completara 40 anos de idade.  Claro que eu descobri que determinados perfumes são mesmo curadores de outras sutilezas, por tentativa e erro, nunca por literatura, que eu não creio que corresponda a realidade de quem se cura com perfume. É muito intuitivo e preciso. Não tem muita margem para inexatidões. Porque da mesma forma que eu me curo, eu também adoeço com determinados cheiros, perfumes, aromas, tons ,cores, palavras, sentidos....E por tanto que padeci, contra estes males, também me defendo. Em algumas circunstancias faço na pele a mistura de quatro ou cinco perfumes, e... Curada!!! É instantâneo. Imediato.

        Hoje eu re-encontrei a caixa de perfumes da minha avó Cecília Meireles, que ela pediu que meu avô Heitor Grillo me entregasse e que ele me
        entregou, quando ela faleceu. Ali também encontro varias notas e fragrâncias poderosíssimas, mas  escreverei sobre este lindo presente,
        qualquer dia. Talvez amanhã. 
        Essa caixa com esses perfumes, que visitei diversas vezes para re-encontrar a minha avó e madrinha Cecília Meireles, me fez concluir entre o 
        amor, a saudade, a ausência e a presença, a noção que sempre me orientou: Ser forte. Ser forte, como um perfume.

Fernanda Correia Dias
in Viva o Cabochard da Mamãe ou A Mamãe viva no Cabochard e a vovó viva na caixa de perfumes da Fernandinha
Para Kenya, Gaya, Margarida Oliveira, Telma e Marta 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 



3 comentários:

  1. Lindissima recordacao de tua mae e avo e do delicioso Cabochard !Foi com mta emocao e alegria que li uma memoria tao interessante e perfumada e que original e diferente o uso do Cabochard ,perfume de tua mae para curares tuas dores e teres descoberto mto mais tarde que tua avo Cecilia usava esse mesmo recurso Incrivel e belo !Esse perfume e uma delicia tb acho so nao conhecia esse uso para cura Parece q adivinhaste que eu tb gostava muito e usava o Cabochard!Bjos

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  2. Fernandinha, você sempre encanta e surpreende. A poesia se revela uma linhagem na sua familia. Ou melhor, você não nega a linhagem, mas antes a confirma: Poeta como a mãe e a avó. Queria tanto agora uma gota do perfume Cabochard! A leitura de seu poema em prosa me fez isso! E queria tanto tanto ler as cartas de sua avó. Meses imersa nessa vida que se conta por escrito aos amigos eu ficaria. Cercada e mergulhada nas cartas trocada entre Cecília e todos com quem ela quisesse conversar: Henriqueta Lisboa, ou Mário de Andrade ou Manuel Bandeira ou Gabriela Mistral... Imersa na vida possível e sonhada, recontada aos amigos, como você faz hoje no seu blog, honrando a linhagem de mulheres fortes e sensíveis e literatas e poetas. Obrigada por se lembrar de mim. Um beijo <3

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  3. Marta e Telma, onde estará Margarida?

    Juro que eu teria colocado no correio, hoje, um livro para cada uma, perfumado com Cabochard.
    Mas ainda teremos esse dia. Até lá, temos os perfumes.
    Amei o sentido das palavras de vocês, o que me transmitiram é tão bom!
    Já fiz a fotografia da caixa e dos perfumes que pertenceram à minha avó Cecília Meireles e que ela se preocupou em pedir ao meu avô Heitor, que ele me entregasse a caixa com todos os perfumes dela, e ele honrou e me entregou, na primeira visita que fiz a ele, que era meu padrinho, logo após o falecimento dela. Imaginem uma menininha que descobriu a cura das dores com perfumes aos 3 anos, ganhar uma caixa imensa e com todos os cheiros dela, quando fiquei órfã dela, avó e madrinha, nos meus 9 anos? Mal consegui segurar a caixa quando recebi. Tive que sentar no chão com a abundancia de amor e presença, que recebi e havia ali, onde concluí, antes de chorar: ser forte, como um perfume.
    Beijos em vocês, minhas queridas,amigas, poetas, escritoras, inteligentérrimas e sempre queridas.
    Fernandinha ou
    Fernanda Correia Dias

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