quinta-feira, 6 de dezembro de 2018

Marília Valls . Foto Fernanda Correia Dias
Marília Valls . Foto Fernanda Correia Dias

    Por volta dos anos 70, estudava na minha escola, em Ipanema,  a filha da Marília. Ela sentava na primeira carteira e eu na última. Quando eu saía da escola passava na frente da loja da mãe dela e eu percebia nas roupas da vitrine, o esforço que a mãe dela fazia para criar roupas para o Brasil. Para o Rio de Janeiro. Algo que hoje é banal e se vê em qualquer esquina, na época não era. Não existia moda carioca, nem moda brasileira. As pessoas se vestiam com peles, tecidos sintéticos, modelagens assinadas por costureiros europeus para inverno europeu, botas de couro e canos altos, em plenos 40 graus do Rio e só porque era A MODA. 
   Também aparecia o conceito londrino Biba Boutique...com roupas próprias de qualidade , prontas para serem vestidas no seu manequim,  por preços acessíveis. Conceito comercial de loja que no Rio de Janeiro, reunia produtos do vestuário estrangeiro  e cópias, oferecendo para a venda a  varejo e pret-`a-porter. Esse conceito de pequena loja com produtos próprios somava-se ao existente conceito da época que era de Maison de Costureiros e Madammes com ateliers de costura particulares e sob medida, as lojas da rua Ouvidor e as lojas de departamentos, como Slloper e Mesbla...
   Não existia o consumismo de vestuário descartável, como praticamos hoje. Ser ou não ser A Moda, já era uma imposição ideológica para consumir a próxima Moda ou ficar fora da Moda.
   Algumas mulheres separadas de seus maridos, costuravam para amigas, copiando fotografias de revistas, inventando modelagens, tirando as medidas de suas clientes porque precisavam fabricar dinheiro para os gastos com a alimentação e educação de seus filhos. Costuravam , como suas mães e vendiam suas roupas  também em suas casas, em Ipanema.
Outras iam acumulando roupas prontas, que as clientes adquiriam imediatamente, dando maior velocidade ao negocio.
     Marília, desquitada, deixava o Brasil duas vezes por ano para visitar a Europa e trazer as novas tendencias da moda em malas de roupas adquiridas para " a cópia". Sim, Marilia me dizia que copiava a modelagem e adaptava para os tecidos brasileiros e eu respondia que ela _estava criando sobre aquela base, não estava copiando, porque o corpo da brasileira tinha outra altura, outras curvas... muitos "detalhes" precisavam ser eliminados, reduzidos ou ampliados e as cores discretas europeias davam lugar às cartelas maravilhosas de cores brasileiras, nos limites da produção da nossa industria nacional e eram escolhidas à dedo por ela ou encomendadas ao fornecedor...  Logo não era mais o mesmo produto de cópia! 
    Estilistas como Zuzu Angel e Marília Valls não surgem a todo instante. Elas trazem uma necessidade de ganhar dinheiro e ter independência financeira, mas isso apenas não basta.  É preciso realizar e pensar. Elas Pensam e realizam. Pensar e realizar, faz toda a diferença. Uns só pensam... Outros só realizam...Uns ficam no eu acho, outros no  precisamos. Sim. Precisamos de roupas para o Brasil, para as nossas temperaturas. Mas, o quê? O algodão em tecido plano precisava ser passado à ferro... o linho engomado... e o algodão em meia malha, ninguém usava...não era elegante... não... Para você perceber a inexistência do uso de camisetas, ou você comprava na Bibba umas malhas coloridas e grossas ou com os hippies, que por falta de dinheiro, adotaram um modelinho que só os portugueses usavam. sob suas camisas sociais de nylon, que era conhecido como camiseta de 3 botões ou camiseta de português. A modelagem consistia numa camiseta sem gola, abotoada na frente por 3 botões e com uma malha sanfonada ajustando a manga no braço. Seria uma tradicional camiseta polo sem gola e sem ser em malha piquet...mas em malha-meia, como era chamada, aqui no Rio de Janeiro. Os hippies ferviam a camiseta em água quente e pigmento, experimentavam técnicas de tingimento indianas e japonesas, tipo thai-dai, batik, etc... e vendiam por cinco ou seis vezes mais ao preço que compraram a camiseta branca. Mas ser hippie também era MODA importada...e Hippie usava pesados macacões de jeans...sandálias com solas alternativas de aproveitamento de pneus de carro... e nada disso era fino nem elegante...Nem servia para ser exportado, porque era cópia...
     Marilia e Zuzu, costuravam uma moda brasileira...com renda de bilro, bordados, pinturas, algodão colorido, pedra, madeira e chitas. Mas o que é moda brasileira, Marilia? _ É moda feita no Brasil por brasileiros que precisam ser reconhecidos internacionalmente. Eu complementava, _Marília, Moda brasileira é a moda feita no Brasil para os brasileiros viverem confortavelmente no Brasil.
E por causa desses nossos diálogos, minha juventude e as minhas respostas, a Marília me dizia: "Fernanda você é o máximo!"
     Mas eu não conheci a Marilia, desses diálogos, na época que a filha dela estudava na minha escola. Naquela época, quando fui apresentada à Marilia, era apenas a mãe... Eu conheci a Marília Valls desses diálogos, quando a Teresa Gureg, para quem eu desenhava coleções de sapatos, bolsas, cintos e criava campanhas publicitárias para as revistas nacionais,  me indicou para tratar da Propaganda e da Comunicação impressa, Publicidade, Displayagens e Visual Merchandising , Comunicação Visual e Vitrines da Blu-Blu.  
     Trabalhei muitos anos , até Marilia decidir que queria fechar as portas da Blu-Blu. Mas como? Um grande desfile e... Sugeri e insisti que ela deveria inaugurar naquela casa a Faculdade de Moda do Brasil, porque eu tinha ido para a PUC/RJ  para estudar Moda, mas como não existia essa oferta, eu estudei Design. Por precisar entregar a casa ao dono, sugeri que então ela conversasse com a Faculdade Cândido Mendes e fizesse a proposta de criar um curso de Moda, transformar depois numa Faculdade e enquanto isso, escrevesse um livro sobre a Moda no Brasil. 
    Marilia me pediu para que eu escrevesse com ela. Eu estava assoberbada de trabalhos de ilustração e criação de livros. Agradeci a confiança que ela sempre depositara em mim e pedi que ela convidasse a Iesa Rodrigues. Mas ela chamou a Iesa para o curso de Moda que acabaram concretizando! E no lugar da Iesa, depois de conversar muito comigo, ela escreveu o livro com a Ruth Jofilly  e me entregou um exemplar com  linda dedicatória.

Marilia, uma sempre querida. Tivemos uma amizade tão bela que entre nós era visível que todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos, dotados de razão e de consciência devem agir uns para com os outros em espirito de fraternidade!

Existem os seres humanos que pensam... Existem os seres que fazem... Existem os que pensam e fazem. Eu pertenço a esse povo. Esse povo é que é o meu!
    Fernanda Correia Dias
in a Declaração Universal dos Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas 
e a Marília Valls em Ipanema




2 comentários:

  1. Grazi, que bom que você aprendeu alguma coisa com o que você entendeu dentro dessas letras!Eu entrego a verdade que eu conheço, com as palavras, frases e parágrafos, mas o entendimento do que escrevo é de autoria do leitor, que eu reconheço como o meu co-autor, quando ele percebe que o atingi com luz, o que ele entendeu. Beijo Grazi, é uma alegria te ler por aqui!

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