CECÍLIA MEIRELES POETA UNIVERSAL
Vou
descrever a presença física, parada e em silencio, de Cecília Meireles, minha
avó materna, hoje, no dia de seu
aniversário de 119 anos. Ela está
aqui neste instante. Ela é uma
pessoa hipnotizante.
Eu não sei
se ainda existem pessoas vivas que se
lembrem da presença física dela, mas eu estou viva e me lembro muito bem. Eu
sou a neta e a afilhada dela e foi ela que
me disse pessoalmente, que escreveu os poemas A Bailarina e Ou isto ou
aquilo para mim.
Estamos
diante dela. Sou sua
primeira neta, depois de dois netos meninos. No dia do
aniversário dela, ela me levou para me batizar como minha madrinha na igreja
que ela fora batizada. Então hoje
também é aniversário do meu batismo.
Mas o
fenômeno que vivo diante da presença dela neste instante, e vivo toda vez que a
encontro, é assim: fico olhando, não paro de olhar para ela e quero olhar mais.
Estou hipnotizada e atraída pelo
contraste dos dois olhos grandes, preciosos e íris verdes, muito verdes. Duas
esmeraldas transparentes e brilhantes cravadas em porcelanas brancas, em
contraste com a pele dela, morena e
perfumada, como a madeira de sândalo. As duas íris verdes, cristalinas, preciosas me hipnotizam e o hipnotismo é o
mesmo de quando você encontra uma pessoa negra de olhos azuis. Você fica
imantada ao raro, belo e incomum.
Simultaneamente ela exala e eu sinto o
aroma de um bosque de seda e algodão e percebo o sândalo fresco do colar ou do leque indiano.
Vem acompanhado do perfume da magnólia, do jasmim e do damasco. E esses aromas
chegam antes do perfume de ocasião: O que eu mais gosto na pele dela é o L’ Interdit de
Givanchy que ela usava em 1957, quando eu nasci.
Mas o que ela faz quando ela percebe que
estamos hipnotizados por ela? Ela Sorri. E eu e você aspiramos o aroma de
cravos da Índia, do seu sorriso e aparecem uns dentes muito brancos
contrastando com a pele morena. É um sorriso longo e gentil. São muitas pérolas bonitas, seus dentes
brancos que estavam guardadas em seus lábios. É um estojo de um joalheiro, um
mistério maravilhoso, a delicadeza do seu sorriso.
Então agora ela é um sorriso e ela vai
falar comigo e com você e você vai ouvir uma voz bela. O que é uma bela voz? É
aquela que você escuta todas as palavras com clareza dos sentidos. “O sentido
está guardado no rosto com que te miro” como ela escreveu. E o que ela diz é
visível numa sonora harmonia e musicalidade. Tudo gira e você está ali comigo,
hipnotizado e escuta: “Como está você?”
É ela que está falando comigo. E você
pensa: estou girando num mundo e ela fala! O que ela
diz não é o que você ouve, mas o que faz você ver! Não há desperdício de som. Essa
musicalidade nos faz girar mais ainda e giramos sorrindo de dentro para fora.
Ela fica
do nosso tamanho e tem a nossa idade,
quando ela quer. Mas você aprende com o que ela escreve que ela é a sua irmã te
contando a verdade: Desperte do teu sonambulismo!
Agora ela
quer, então passeia conosco pela casa. Apresenta-nos
a nós mesmas ao espelho. Faz-nos ver o jardim e os pássaros através da grade de
ferro da porta, em círculos ou conversamos com a estátua da Primavera na subida
da escada e deitamos sobre o leão da varanda. E lá está “o lagarto entre o muro
e era, a cigarra e a sua canção.” Tudo o que
ela nos apresenta é a verdade. Tudo o que ela escreve é a verdade. E nos
inspira verdade pela contemplação, leitura e escrita.
Ela também
está cercada de escolhas extraordinárias.
O relógio de casa, na sala de almoço, tem um
cuco que sai de dentro de uma portinha de hora em hora para cantar cuco-cuco em
quantas horas forem necessárias; o termômetro mostra uma casa e um casal de
holandeses que visitam a paisagem da
varanda quando o tempo está bom e nos acena; nas estantes estão brinquedos
folclóricos nacionais e internacionais; os livros contém páginas pop-ups e montam
outras estruturas como carrosséis, jardins zoológicos, teatros, bandeiras de
vários países e casas.
Ela me
mima nos contando histórias, brincando comigo e me oferecendo presentes
fabulosos: um galo-termômetro, que troca da cor rosa para a azul, passando pelo
lilás, se as chuvas estiverem próximas; uma mamãe de madeira que aberta ao meio
traz outra por dentro, e mais outra, e mais outra, até uma mamãe bem pequenininha; uma vovozinha que
debaixo da saia não tem pernas , mas o corpo da chapeuzinho vermelho e
invertendo o chapéu se transformava no Lobo mau; umas marionetes indianas de
sombra para movimentar com pauzinhos contra a luz sobre as paredes da
biblioteca e são feitas de arabescos lindos e uns bonecos molinhos,
recém-nascidos que cabem numa pequena caixa transparente de orquídeas. A
torneira da varanda de seu gabinete no segundo andar da residência, é um pássaro;
o enfeite do chapéu dela, são pequenos
peixes de palha colorida pendurados e balançando cada qual numa linha de pesca;
as sandálias dela são tiras de pérolas ou delicados bordados chineses azuis turquesa
sobre tecido vermelho e pink;os finos papéis de sua mesa estão intercalados por
folhas de papéis carbonos onde eu aprendo a duplicar desenhos com ela; a
máquina de escrever tem essas letras que ela me ensinou e que eu sei até hoje e
são as mesmas que escolho para escrever isso aqui que você lê neste momento e a
máquina ainda tem uma alavanca para levantar o papel e faz Plin!! As canetas
por dentro trazem águas azuis que correm para a pena e escrevem com rios de
águas azuis e os mata-borrões, papéis macios e grossos, cor-de-rosa, passamos
em cima das assinaturas, dedicatórias desenhos ou poemas, para secar mais
rápido!
Ela é
assim: bela. Sadia.
Poeta, filósofa,
cientista da pedagogia e da psicologia, escritora, cronista, ensaísta, professora, pedagoga,
desenhista, jornalista, tradutora, folclorista, conferencista, oradora, editora, ilustradora, pesquisadora, radialista, cronista, pintora, mãe de
três filhas órfãs, ela mesma filha órfã de pai e mãe, criada por sua avó materna,
única parente que restou após a morte de todos de sua família , incluindo ainda
seus 3 irmãos que antecedem seu nascimento, seus pais e seu avô materno.
Nascida no
Rio de Janeiro, aos 12 anos recebe das mãos do Inspetor Escolar Olavo Bilac a Medalha de Ouro pela conclusão do curso escolar com grau máximo por três etapas
consecutivas. Forma-se professora aos 16 anos quando escreve e publica o livros
de poesias históricas, ESPECTROS. Começa a lecionar aos 17 anos e aos 18 anos decide
unir as mulheres para que elas se ajudem mutuamente e que possam ser ajudadas
também por interessados filantrópicos, empresas
e governos, na viuvez, orfandade, sobrevivência, oportunidades de trabalhos,
etc...
É assim
que há 100 anos atrás, aos 18 anos, em 1919, Cecília Meireles visita todas as redações
e os jornais do Distrito Federal, Capital do Brasil para divulgar as datas das
reuniões e de fundação da recém criada por ela e outras professoras, Legião da Mulher Brasileira. Ela mesma,
Secretária da Legião traz na pauta os assuntos da mulher órfã de pai e mãe, sem
parentes, que deseja e pode trabalhar para adquirir salário para seu sustento
e o de sua família, , apoio social às mães, filhos,
maridos desempregados, saúde, etc...inclusive o voto feminino, garantindo a participação feminina nas decisões do país.
Ela mesma, a mesma Cecília que aos 13 anos fez campanha para que os meninos também pudessem comer na escola o mesmo que as meninas comiam.
Presentes para a primeira reunião da Legião das Mulheres
Brasileiras, mulheres das mais diversas procedências, uma delas tomou a liberdade
de convidar o bispo e o padre para a benção da Legião na primeira reunião . E
logo na primeira reunião, quando o padre e o bispo tiveram a infelicidade de
anunciar que só abençoariam as católicas, Cecília Meireles sentada na mesa,
compondo a comissão, diante do público e do tumulto, levanta, retoma a palavra e no meio da multidão,
declara-se publicamente “ Livre pensadora” e decide que “a Legião será laica” integrando e
unindo todas as mulheres presentes e vindouras.
Esse é o
raciocínio fundador de uma mulher que é uma Poeta Filósofa Brasileira e Universal, atenta ao homem no Universo. Viveu
na sua própria existência a ausência e a presença de tudo o que é humano. Soube conservar e conversar sobre o Amor através da Poesia Filosófica na altura de Buda, Jesus, Maomé e propor entendimentos, reflexões e soluções. Está tudo escrito. Nenhuma linha desperdiçada.
Leia Cecília Meireles. Aos 119 anos, não há nada mais urgente, atual e moderno que não seja o Humanismo, a Educação através do Amor ao próximo.
Fernanda Correia Dias
in Festa de aniversário para os 119 anos da Poeta e Filósofa Brasileira e Universal Cecília Meireles . Para minhas filhas Kenya e Gaya
Seguem as homenagens dos que chegaram à tempo das comemorações
Deusa
é o que escreve Carlos Drummond sobre Cecília
Meireles.
É Artur da Távola que cita os comentários do querido Carlos Drummond de Andrade sobre Cecília:
"Cecília, não é, por excelência, rotulável. Nem
modernista, nem simbolista, nem intimista. Cecília é livre, é poeta. Seus
versos tocam os limites da música abstrata. Ela é a própria poesia".
Arpad Szenes
quando pintou o mais famoso retrato, e é o de Cecília, deu o título :
“A
Poesia.”
O poeta Bruno
Tolentino disse que a presença de Cecília Meireles “era a mesma que a de uma Deusa. Uma perfeição, principalmente ao expressar o que pensava.”
“não me parecia uma criatura
inquestionavelmente real; por mais que aferisse os traços positivos de sua
presença entre nós, marcada por gestos de cortesia e sociabilidade, restava-me
a impressão que ela não estava onde nós a víamos, estava sem estar, para criar
uma ilusão fascinante, que nos compensasse de saber incapturável a sua
natureza.” C.D.A, 1964 Jornal Correio da Manhã/Carlos Drummond de Andrade
" libérrima e exata", foi o que escreveu Manuel Bandeira sobre Cecília.
"Todas as pessoas têm um quê de frágil e de mortal, Cecília Meireles, não. Havia, nos seus mais delicados gestos, uma firmeza, uma decisão, uma força que nunca houve quem visse ameaçada. Força de quem sempre escolheu viver num outro plano, força de quem nunca se esquivou àquele imperativo de renúncia que há na construção de uma obra, de modo que sua figura, bela e tranqüila, onde se espraiavam vagas ondas nuns olhos muito verdes, tinha a consistência de uma fortaleza" Poeta e Jornalista Marly de Oliveira