Conversinha bordada de beija-flor e borboleta .
foto Fernanda Correia Dias
Conversinha bordada de beija-flor e
borboleta .
foto Fernanda Correia Dias
Que
é isso que assim me aperta o peito? Minha alma quer sair ao infinito ou a
alma do mundo que quer entrar em meu coração? Rabindranath Tagore
Quando
a minha mãe bordava eu ficava impressionada como ela conhecia o caracol, as
gramas e cada pedaço do caule da rosa em espinhos!
Como
conhecia os beija-flores? as asas das borboletas?
As
pétalas e a suavidade dos botões, naquele ton-sur-ton que me ensinava a ver
melhor uma rosa, um caracol, cada vez que eu tinha a oportunidade de estar com
eles. Ela bordava a terra parecendo terra, o carneirinho com pelo de
carneirinho, os passarinhos com suas cores de penas esplendorosas. Minha mãe
trazia um bastidor com aquele tecido que ela chamava de pele de ovo desenhado
com lápis que ela desenhou, mas as cores...as cores...ela ia pintando com
linhas...
Eu
ajudava fazendo uma tarefa dificílima para ela e muito importante, eu
enfiava os fios de seda na argolinha da agulha. Ficava encostada na
mamãe, olhando de pertinho ela enfiar a agulha me explicando que aqui era o
bico do passarinho... ela precisava do beje, ali eram as asas, ela via onde
estavam as cores, o pescoço do passarinho e o olhinho dele, ela bordada, aquele
olhinho vivo... o passarinho só tinha cabecinha, olhinhos e uma asa, mas já
estava vivo!
Minha mãe bordava os dedinhos
dos passarinhos e eu via até as mínimas unhas... Ela avançava e cobria o que
tinha desenhado à lápis com linhas lindas de seda... Ela sabia as cores que o
mundo pintou os passarinhos, as flores, os filhinhos dos beija-flores. Ah...
ela me mostrava a mamã beija-flor dando comidinha aos filotinhos no
ninho....Ela mesma era uma mamã beija-flor! Dizia para eu fechar os olhos
e abrir a boca, e metia um delicioso caramelo de leite na minha boca... ou uma
bala de amêndoa! Depois minha mãe me mostrava uma linha dourada e uma
prateada... e me pedia para colocar na agulha para ela... duas agulhas, uma
para cada fio... Então ela ia colocando aquele pinguinho dourado ou prateado
onde ela antevia que era o lugar certo e ficava lindíssimo...Ficava perfeito e
ela pedia para eu cortar com a tesourinha aquelas linhas que sobravam e eu
cortava. Ela me fazia sentir importante ao lado dela e sabia que eu estava
aprendendo e que ela estava me ensinando.
Muitos
criticavam minha mãe quando viam que ela estava bordando ao meu lado...
Que perigo! Com essas agulhas! Vai causar um acidente! E eu olhava aquelas
pessoas e a minha mãe que respondia: Ensino aos meus filhos tudo o que eles
precisam saber. Não vão se machucar, não! Sabem usar as agulhas e as tesouras,
sabem cortar linhas e bordar, esticar no bastidor o tecido com desenho para
bordar!
Eu
sabia que minha mãe estava falando a verdade. Para nos tirar o medo ela picava
o próprio dedo dela para vermos que não machucava como diziam.
No dia que ela ganhou o
premio de bordado, como destaque de :O bordado mais belo, era um ramo de flores
e frutinhas, que ela tinha feito até as frutinhas com linhas e eram
penduradas aos ramos...Eu fiquei muito contente de vê-la tão contente! Tia
Elvira disse para a mim: Fernandinha a sua mãe sempre bordou muito bem ,
desde muito pequena, quando ainda estávamos no tempo do Lafaiette
(escola que ela e as irmãs estudaram). Sempre foi uma perfeição.
Anos
mais tarde tia Elvira me explicou assim: a mãe da sua avó Cecília, também
chamava Mathilde e foi o nome dela, Mathilde, que a minha mãe deu à sua mãe! A
Mathilde sua mãe, que nós chamamos de Matuchinha borda como a Mathilde. A
Mathilde, mãe da sua Avó Cecília, além de professora, bordava tão bem que
ganhou o concurso de bordado do Palácio e passou a ser a especialista nos
bordados da Princesa Isabel. Quando a Mathilde morreu, a Cecília tinha 3 anos,
mas o bordado com o São Cristóvão atravessando as águas, ficou no bastidor
colorido, inacabado e pendurado na cama dela... Uma perfeição.
E
na minha também. Eu mesma pendurei, sem saber que tinha sido bordado por ela.
Agora
quem bordava, era eu e fazia um bordado imenso e em seguida uma camisa que eu
vestia no dia seguinte para ir para a aula na faculdade, na Gávea.
Minha
mãe ficava perplexa com tanta beleza! Não acreditava que eu tinha sido a autora
do bordado. Me dizia: Você está brincando ! Está brincando comigo...
Eu
não estava. Tenho até hoje várias camisas que bordei. Todos queriam comprar as
camisas...até se eu quisesse vender as que eu estava usando. Vendi porque os
compradores não se conformavam que eu não fizesse para venda.
Para
minha surpresa, ganhei o quimono de seda preta, com o dragão que Mathilde
bordou e que minha avó Cecília usava...Ganhei da minha tia Elvira. Magnífico.
Quando cheguei em casa e mostrei para minha mãe, contei sobre o presente da tia
Elvira e a mamãe me disse: Ah... eu me lembro desse quimono, meu amor,
merecido! Qualquer dia desses crio um site com as histórias e fotografias
desses objetos que estão na minha vida!
Fernanda Correia Dias
in Conversinha bordada de beija
flor e borboleta
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