segunda-feira, 28 de dezembro de 2015

São Conrado
Foto do James . Fernanda Correia Dias
Gato, gatinho... Aquilo ali era Cabrálico...

Sabe Gato, aquilo ali era cabrálico... quero que entenda que era ainda exatamente como Cabral encontrou . É... O Pedro Alvares Cabral. Aquele que navegando achou o Brasil... O Brasil dos índios...
É...cresci olhando para São Conrado, Barra, Prainha, Canal do Rio Morto, Vargem Grande, Vargem  Pequena, Grumari, etc...exatamente como Cabral chegando à Pindorama, que em Tupy significa, Terra das Palmeiras...disse que achou o Brasil.
Isso, Gato...Nos anos de  1960, quando meu pai comprou uma Vemaguetti vermelhinha, station, nós subíamos a Av Niemeyer e quando descíamos em S. Conrado, encontrávamos um terreirão onde alguns pescadores moravam sozinhos e com mulheres escondidas...Ali chegando meu pai e minha mãe tratavam dos assuntos do dia com  pescador João: Vamos passar o dia na praia com as crianças, elas vão comer camarão V.G.  (Verdadeiramente Grande) frito, com arroz e batatinhas fritas...Uma salada com tomates, cebolas, alfaces, agrião...sim...Precisamos que abra o caminho para acessarmos a praia... O pescador munido de um facão enorme, ia cortando o capim manteiga que era mais alto que meu pai e o pescador e iam pisoteando as raízes do capim, para assentar um piso sem risco de ferimentos para nós, as crianças e depois vinha o mais bonito... o pescador escalava sozinho a duna de areia alta e ia mandando areia para o caminho que ele fez... Subíamos uma duna mais suave, mas ainda muito hostil à nossa presença, porque a areia era branca, a luminosidade do sol intensa e mal abríamos os olhos naquela luz... a areia era quente e muito fofa e nos engolia facilmente...
Não tínhamos outra expressão quando conseguíamos abrir uma frestinha de olhar entre as lágrimas e pestanas em pé sobre a duna: Ohhhh.... Que maravilhaaaa!!!! Lindooo! Mamãe pedia para que nos avisassem quando o almoço estivesse pronto, mas queria as cestas que trouxe no carro com frutas, sandwiches, sucos e água. Muita água. Podíamos caminhar próximo ao mar e ir bem longe, desde que levassemos conosco o Walkie-Talkie que era um rádio para nos comunicarmos e usávamos umas palavras como Cambio, cambio, para sermos ouvidos.
Para frente o mar. Imenso. Absoluto. Cabrálico. Puro. Areia puríssima. Para trás, a exuberância do verde em todas as formas....Até nas imensas bromélias que estavam presas à pedra Dois Irmãos da encosta da Av.Niemeyer. Papai podia voltar por cima da pedra , onde hoje é a Rocinha, e descer pela Rua Marques de São Vicente. Era magnífica aquela vista da estrada no topo da pedra! O mar banhava a pedra e ia longe a linha do horizonte... Lá...bem longe!
Não tinha viva alma naquelas areias, naquela praia virgem! Era assim que explicavam. A praia era virgem! Nunca ninguém havia tocado... Meu pai ficava na areia molhada pelas ondas catando tatuí conosco e iam todos para o balde... Aquelas conchinhas, mariscos vivos também pegávamos... Bastava que observássemos as bolhas na areia e ali cavávamos para encontra-los de imediato.
Os pescadores traziam camarões enormes da pesca... Tinham siris. Caranguejos. Peixes e ovas fritas... Na hora do almoço estavam as mulheres dos pescadores com as bacias de alumínio onde lavavam a roupa, no fogo de lenha. As bacias cheias de gordura e o camarão fritando... Baciadas de camarões fritos, eram despejadas sobre o tampo de madeira da mesa...Não tinham pratos para servir todos nós. Só mamãe tinha prato e ela ia dando na nossa boca salada e arroz enquanto descascávamos os imensos camarões orientados pelo pescador e papai... Saía a cabeça, retirávamos as pernas, abríamos as roupinhas-cascas e comíamos a carninha cor de rosa com várias mordidas, depois de tirarmos aquela linha pretinha que não podia ser comida...
Os camarões eram imensos!
Depois do almoço voltávamos para o mar...
As mulheres dos pescadores enrolavam de tal forma as saias entre as pernas, que parecia short, mas não era. Pediam desculpas pelos trajes...Meio nuas...Mas era muito calor, muito sol, muito fogo e camarão frito!
Até hoje quando contorno a pedra, escuto as vozes daquela gente contente quando nos íamos dali, felizes acenando agradecidos com as mãos cheias de dinheiro, os sorrisos alegres, pedindo que voltássemos sempre e quando quiséssemos que eles fariam tudo novamente...
A água do arroz era do mar... da salada era do mar...Era mamãe?
Era, meu amor! Bem limpinha do mar de São Conrado.
A translúcida visão do essencial nos foi dada, ainda pequeninos, a visão translúcida que com tanta frequência  fica ocultada aos sábios.
Hoje, é sofrimento ver o que fizeram da praia de São Conrado... Imagine o que pensamos sobre a Barra?Prainha, Canal do Rio Morto, Vargem Grande, Vargem  Pequena, Grumari, etc... A Pindorama?


Fernanda Correia Dias
in São Conrado 


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