domingo, 10 de junho de 2018

Conversinha bordada de beija-flor e borboleta .
foto Fernanda Correia Dias
Conversinha bordada de beija-flor e borboleta .

foto Fernanda Correia Dias

Que é isso que assim me aperta o peito? Minha alma quer sair ao infinito ou  a alma  do mundo que quer entrar em meu coração? Rabindranath Tagore


      Quando a minha mãe bordava eu ficava impressionada como ela conhecia o caracol, as gramas e cada pedaço do caule da rosa em espinhos!
Como conhecia os beija-flores? as asas das borboletas?
As pétalas e a suavidade dos botões, naquele ton-sur-ton que me ensinava a ver melhor uma rosa, um caracol, cada vez que eu tinha a oportunidade de estar com eles. Ela bordava a terra parecendo terra, o carneirinho com pelo de carneirinho, os passarinhos com suas cores de penas esplendorosas. Minha mãe trazia um bastidor com aquele tecido que ela chamava de pele de ovo desenhado com lápis que ela desenhou, mas as cores...as cores...ela ia pintando com linhas...

      Eu ajudava fazendo uma tarefa dificílima para ela e muito importante, eu enfiava os fios de seda  na argolinha da agulha. Ficava encostada na mamãe, olhando de pertinho ela enfiar a agulha me explicando que aqui era o bico do passarinho... ela precisava do beje, ali eram as asas, ela via onde estavam as cores, o pescoço do passarinho e o olhinho dele, ela bordada, aquele olhinho vivo... o passarinho só tinha cabecinha, olhinhos e uma asa, mas já estava vivo!

       Minha mãe bordava os dedinhos dos passarinhos e eu via até as mínimas unhas... Ela avançava e cobria o que tinha desenhado à lápis com linhas lindas de seda... Ela sabia as cores que o mundo pintou os passarinhos, as flores, os filhinhos dos beija-flores. Ah... ela me mostrava a mamã beija-flor dando comidinha aos filotinhos no ninho....Ela mesma era uma mamã beija-flor!  Dizia para eu fechar os olhos e abrir a boca, e metia um delicioso caramelo de leite na minha boca... ou uma bala de amêndoa! Depois minha mãe me mostrava uma linha dourada e uma prateada... e me pedia para colocar na agulha para ela... duas agulhas, uma para cada fio... Então ela ia colocando aquele pinguinho dourado ou prateado onde ela antevia que era o lugar certo e ficava lindíssimo...Ficava perfeito e ela pedia para eu cortar com a tesourinha aquelas linhas que sobravam e eu cortava. Ela me fazia sentir importante ao lado dela e sabia que eu estava aprendendo e que ela estava me ensinando.

      Muitos criticavam minha mãe quando viam que ela estava bordando ao meu lado...  Que perigo! Com essas agulhas! Vai causar um acidente! E eu olhava aquelas pessoas e a minha mãe que respondia: Ensino aos meus filhos tudo o que eles precisam saber. Não vão se machucar, não! Sabem usar as agulhas e as tesouras, sabem cortar linhas e bordar, esticar no bastidor o tecido com desenho para bordar!
Eu sabia que minha mãe estava falando a verdade. Para nos tirar o medo ela picava o próprio dedo dela para vermos que não machucava como diziam.



     No dia que ela ganhou o premio de bordado, como destaque de :O bordado mais belo, era um ramo de flores  e frutinhas, que ela tinha feito até as frutinhas com linhas  e eram penduradas aos ramos...Eu fiquei muito contente de vê-la tão contente! Tia Elvira disse para a mim: Fernandinha a sua mãe sempre bordou muito bem , desde muito pequena, quando ainda estávamos no tempo do Lafaiette (escola que ela e as irmãs estudaram). Sempre foi uma perfeição.

     Anos mais tarde tia Elvira me explicou assim: a mãe da sua avó Cecília, também chamava Mathilde e foi o nome dela, Mathilde, que a minha mãe deu à sua mãe! A Mathilde sua mãe, que nós chamamos de Matuchinha borda como a Mathilde. A Mathilde, mãe da sua Avó Cecília, além de professora, bordava tão bem que ganhou o concurso de bordado do Palácio e passou a ser a especialista nos bordados da Princesa Isabel. Quando a Mathilde morreu, a Cecília tinha 3 anos, mas o bordado com o São Cristóvão atravessando as águas, ficou no bastidor colorido, inacabado e pendurado na cama dela... Uma perfeição. 
E na minha também. Eu mesma pendurei, sem saber que tinha sido bordado por ela.



     Agora quem bordava, era eu e fazia um bordado imenso e em seguida uma camisa que eu vestia no dia seguinte para ir para a aula na faculdade, na Gávea.
Minha mãe ficava perplexa com tanta beleza! Não acreditava que eu tinha sido a autora do bordado. Me dizia: Você está brincando ! Está brincando comigo...
Eu não estava. Tenho até hoje várias camisas que bordei. Todos queriam comprar as camisas...até se eu quisesse vender as que eu estava usando. Vendi porque os compradores não se conformavam que eu não fizesse para venda. 


Para minha surpresa, ganhei o quimono de seda preta, com o dragão que Mathilde bordou e que minha avó Cecília usava...Ganhei da minha tia Elvira. Magnífico. Quando cheguei em casa e mostrei para minha mãe, contei sobre o presente da tia Elvira e a mamãe me disse: Ah... eu me lembro desse quimono, meu amor, merecido! Qualquer dia desses crio um site com as histórias e fotografias desses objetos que estão na minha vida!



Fernanda Correia Dias
in  Conversinha bordada de beija flor e borboleta




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