domingo, 15 de outubro de 2017

M, G e Sant' Anna . Foto Fernanda Correia Dias . Copacabana
M, G e Sant' Anna . Foto Fernanda Correia Dias . Copacabana

      Tão logo entrávamos na sala  de estar, eu pedia para  me levantarem no colo, para que eu pudesse ver os santos nos oratórios que estavam sobre as cômodas. Conversar com eles. Ouvir o que diziam através dos gestos, olhares e quem eles eram. Reconhecer. Lembrar o que fizeram de exemplar pela humanidade.E aprender que era importante saber o que era importante e querer para a minha vida o importante. Eu lembrava daquelas biografias mínimas e importantes.
      Arrumados nas prateleiras internas do oratório, tal qual foram deixados por Jacinta, eles tinham uma ordem por amizade, entre eles, que minha mãe e minha avó conheciam e se não estavam exatamente onde deveriam estar, elas corrigiam as posições e eu também gostava de avisar . Elas deslocavam para cima, para baixo, para os lados, para frente e para trás e me deixavam colocar as flores que eu trouxe do jardim nas jarrinhas do oratório. Me ajudavam a fazer isso. Na maioria das vezes, meu avô ou minha mãe me pegavam no colo e minha avó pertinho ia me contando as histórias. Os três sabiam. Os três respondiam minhas perguntas.
Eu gostava de perguntar e de ouvir os nomes e o que fizeram. Eu ficava no colo deles, como aquelas crianças ficavam no colo dos santos e santas... Elas me mostravam o cãozinho de Lázaro, as chaves de Pedro, a lança de Miguel, Francisco e as pombinhas, as crianças de Fátima, a escada e a cruz, o coração de Jesus, os braços de Antonio, que se chamou Fernando segurando o neném e os lírios, Cecília deitada no chão, Cristóvão com o menino no ombro atravessando a inundação,  as cabeças, as coroas de espinho, os mantos, os pés descalços, as mãos nuas, eu lia nos sinais e concluía toda vez que ouvia os nomes...Sebastião, José, João, Paulo, Joaquim, o Anjo da Guarda, Therezinha, Maria!
Eu gostava de olhar para eles, conversavam em silencio, com gestos, eu ouvia o que diziam...
       Se as portinhas dos oratórios estivessem fechadas, eu pedia para abrirem, e eles pacientemente buscavam as chaves na gaveta de chaves, uma gaveta interessantíssima, cheia de chaves muito antigas, daquelas de ferro, escuras e imensas. Algumas em molhos, presas por argolas, também reunidas por serem só de armários de roupas, das alfaias, da portas de cristaleiras, das gavetas das cômodas...outras de portas, portões,  até as mínimas, bem pequeninas que abriam caixinhas de madeiras... 
     Entre todos os santos e santas dos oratórios estava a Sant' Anna! Gostava de olhar para ela e depois ir para a biblioteca com a vovó Cecília Meireles para ela ler para mim, como a Sant' Anna! Com o livro aberto lendo para a netinha, Sant´Anna parecia muito com a minha avó quando ela lia para mim e mais tarde,  como minha mãe lia para as netas Gaya e Kenya, minhas filhas.
Jacinta, Sant' Anna, Mathildes, eternas professoras ensinando o que é importante para todos nós fazermos sempre melhor do que o que já foi feito. A excelência.
      Jacinta que era açoriana da Ilha de  São MIguel, analfabeta e muito sábia, de coração precioso e bem formado, deixou estes dois oratórios, onde ela provavelmente bebeu parte de toda a sabedoria que possuía e que eram realmente dois livros sólidos, tridimensionais, de imagens totalizadas em beleza, cheios de histórias de biografias inspiradoras de vidas passadas, que as imagens reunidas ali como pessoas amigas, contavam com sinceridades de humildades e gestos e que educou sua filha Mathilde-professora, sua neta Cecília-professora, suas netas Marias-professoras e as bisnetas também Marias-professoras...
      O livro sagrado explicava melhor cada um, o que fez e por quê fez, cada santo, santo!
      O sagrado livro que me ensinou que a literatura é a verdade do homem, escrita.
      O livro sagrado, precioso,  os livros sagrados, preciosos, as vidas sagradas para nos ensinar a sermos melhores que nós mesmos. Essa era e é a introdução da minha infância no livro da minha vida que eu levo para onde vou na memória e no coração. O Amor por nós e por todos nós. O Amor.

Fernanda Correia Dias
in aos professores que professam ou profecias.



5 comentários:

  1. Aquele manifesto da educação de Cecilia com Anisio Teixeira (e outros) é uma das coisas mais bonitas para se pensar a educação que já li.
    E suas crônicas são uma madeleine deliciosa !
    E os livros tridimensionais?? Vixe!!


    Grazielle Pereira

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  2. Grazielle, verdade!
    Sugiro que leia O ESPÍRITO VITORIOSO, a TESE DE CECÍLIA MEIRELES para a conclusão do curso dela.É sempre sensacional.
    Amei as suas madeleines deliciosas,são irmãs das que nos deliciávamos nos chás das 17h!
    Vamos nos encontrar, sim! Vamos!Quanto ao lindo: Vixe!escrito por você, amei!Me alegro muito que eu tenha te alegrado! Os inesquecíveis oratórios da Vó Jacinta, são mesmo livros tridimensionais com personagens ilustrados tridimensionalmente que eu podia tocar, examinar por inteiro, entre as minhas mãos,enquanto ouvia as biografias associadas aos gestos e expressões faciais. Inspiradores de vida e novas vidas e nascer e renascer muitas vezes na mesma vida. Idéias espirituais de renovação em nós mesmos, augustas, invioláveis referencias, norte, respeito purificado por aquelas vidas exemplares e percepção do divino e sagrado em mim: O amor.
    Quando nos reencontraremos? Vamos!
    Beijo, querida!

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  3. Agora que vi, semana que vem quando pode?

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  4. Querida! Que texto mais lindo!
    Um beijo enorme pra você!
    {com o pensamento em Cecília}
    Telma

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  5. Ave Telma Querida!
    Tomara este texto alcance também, aqueles que não acreditam que podemos ser melhores que nós mesmos,para nós mesmos e para todos, sempre e com amor! Beijo em você e na Cecília que nos habita!!!

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