segunda-feira, 17 de julho de 2017

Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Água mole III

Estou voltando do Recreio dos Bandeirantes dentro de um BRT e olhando a muralha de prédios, este emparedamento de 30 andares, que recorta o céu que antes era de horizonte à horizonte, entre a Barrinha e o Recreio, em todas as direções e sinto uma mão apertando meu coração, como se fosse uma manga agarrada por um ladrão, comprimindo, me asfixiando e para me libertar olho para bem longe e escuto as gargalhadas que dávamos dentro do carro da mamãe, enquanto ela dirigia e parava onde queríamos para andarmos sobre as dunas, observarmos melhor os imensos cactos e as flores lindas dos cactos que nasciam nas dunas. Areias branquíssimas, secas, escorreitas,desabando ao primeiro toque, onde brincávamos de descer como elevadores naturais... O paraíso deserto de humanos e todo natureza nos recebendo, borboletas, passarinhos, vespinhas...As cascas de tangerinas que lançávamos pela janela do carro nas margens do caminho iam nos perfumando e nos deixando perfumadas enquanto perfumávamos o nosso próprio caminho! O tamanho daqueles céus, as cores daqueles céus, nas diversas horas do dia, nos deram uma sensibilidade por exercício de percepção intransferível. Muitas vezes, me perguntam, como você sabe que horas são?, Onde aprendeu?, Como sabe se vai chover? Lendo o céu? Mas, como? Por que diz que vai ter sol? O que estás vendo nas estrelas?Como sabe que são aquelas nuvens que trazem as tempestades? Por que será uma chuva de verão?
Essa percepção exercitada, desenvolvida, praticada continuamente por amor a natureza, à contemplação da instabilidade de todas as coisas, daquele paraíso é que agora me abraça pelas costas e me esmaga com a notícia que hoje não é mais assim, nem é mais possível. Não foi o mato que cresceu ao redor, ao redor, como cantávamos na canção da infância, mas, os 30 andares cresceram ao redor, ao redor, ao redor...
Não ouviremos as cigarras, nem o coaxar da sapolândia, nem veremos a revoadas das andorinhas e dos biguás como antes, porque apesar de tudo aquilo ser deles e só deles para sempre, por ora os homens invadiram com cimento e pressa, com ganancia e desrespeito humano e até os jacarés passeiam entre as calçadas e os moradores, quando não aparecem nas piscinas dos condomínios depois de nadarem perdidos por tubulações de engenharia desrespeitosa com seus habitats...
Passam apressados os BRTs e os carros, por onde passávamos, passeando felicíssimas com a mamãe, cantando e apalpando entre nossos dedos os jardins da pequena estrada que nos levava até à Prainha e a Grumari!
Fernanda Correia Dias
in Barrinha, Barra da Tijuca, Recreio, Prainha e Grumari em 1970

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