terça-feira, 23 de maio de 2017

Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Da Gávea da Pedra

Isto extrapola o social, está muito além, é mesmo inadmissível.
Andava entre as mesas do restaurante da Pracinha do Alto, sendo enxotado como um inconveniente pelos garçons e proprietário e defendia-se dizendo aos presentes, que ele era um professor de filosofia que estava vivendo dificuldades e por isso vendendo infelizmente o que de mais precioso tinha... seus próprios livros! Queria que alguém desse 10 ou 20 Reais por cada um, porque queria comer, e precisava do suficiente para pagar um almoço... Estava sem comer... Apresentava os livros com as duas mãos abertas e os livros no centro das mãos...Sabia o que dizia de Aristóteles e de Platão, explicava o valor imensurável de cada livro e o quanto de muito maior o comprador teria pelo valor de um único almoço...Ele agora comia a biblioteca diariamente... Mas a maioria não conhecia aqueles nomes...Aristóteles e Platão...nem queria trocar umas palavrinhas com ele sobre aqueles assuntos... e ele era a própria figura de Aristóteles diante de nós.
Não me furtei de conversar com ele sobre Aristóteles e Platão, nem de entregar em cédulas mais do que ele pedia, para que além de almoçar, ele pudesse jantar e almoçar por mais alguns dias... Mas os livros só valiam mesmo pelo o que estava escrito...as edições eram populares, estudantis...E eu tinha aquelas obras...
Tão logo viu o meu dinheiro, desapareceu agradecido, muito agradecido e fez questão de apertar a minha mão forte e seguro como faria Aristóteles em pessoa.
          Mais de ano que não o vi e está sentado diante de mim, dentro do vagão do metrô, com mais uns seis livros na mão e a professora conversa com ele, lembrando aos presentes ouvintes, a que ponto chegam os professores, desamparados, com seus livros nas mãos e aposentadorias desprezíveis... enquanto a Educação está abandonada no Brasil... Ela entrega para ele um dinheiro e diz que não quer os livros... e ele está muito sujo... muito sujo... Mas não tão sujo nem descalço como hoje! Diante da loja de produtos de beleza, vejo ele caminhando descalço, com um cobertor atravessado em diagonal sobre um dos ombros como Aristóteles.
E em seguida homens e mulheres deixam a igreja e cruzam por ele com seu coração aqflito... ninguém se compadece... muito ao contrário... Prendem com os próprios dedos as próprias narinas, porque o professor, entre eles,  fede...
Na contraluz, sua silueta no escuro é  de sonho enquanto lembro aquelas palavras aristotélicas que ele nos disse no primeiro encontro na Pracinha do Alto da Boa Vista: Entendemos por virtude relativa a que diz respeito às coisas necessárias e por virtude absoluta a que tem por finalidade a beleza e a honestidade . Educação! Precisamos muito de Educação! Eu não deveria estar vendendo meus livros para comer!

O estudo do bem pertence à política que é a primeira das ciencias práticas.- Aristóteles- 384 a.C- 322 a.C.  - Filósofo grego, macedônico, pupilo de Platão e preceptor de Alexandre O Grande

Fernanda Correia Dias
in Educação Aristotélica

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