terça-feira, 30 de maio de 2017

A Casa de Bonecas da Fernandinha . Foto e Arte de  Fernanda Correia Dias

A Casa de Bonecas na vitrine 
        Muito provavelmente você não pode ver o que eu estou vendo porque você não está aqui, e esta totalidade não pode ser fracionada, nem transferida por inteiro através de letras...mas eu posso descrever o que estou vendo e como estou me sentindo diante desta casa de bonecas que está dentro da vitrine desta loja.
       Estou me sentindo como aquela personagem do conto de Katharine Mansfield, que você provavelmente  não conhece nem o conto. nem a autora, nem a personagem...mas cujo título me aparece agora tridimensionalmente na vitrine: A casa de bonecas.
       No conto, a autora,  faz referencia a crianças que estudam na única escola do local e expõe que as diferenças das classes sociais e culturais de seus pais interferem no relacionamento diário das crianças. Filhas do juiz, do doutor,do dono do armazém , estudam com filhos do leiteiro, de empregadas domesticas e lavadeiras.
      Duas meninas irmãs ganham uma casa de bonecas grande e convidam para sua casa, amigas da escola para brincar com elas e a casinha... A tia das mesmas impõe limites em torno da novidade do brinquedo e por causa do mesmo. Receberão no máximo duas meninas por dia e as filhas da lavadeira estão proibidas.
      A autora descreve  as agressões intencionais, verbais, durante o lanche coletivo  na escola, das meninas ,feitas de modo repetitivo por uma e mais alunas, com insistência impertinente das colegas, que conheceram o brinquedo, desdobrando perseguição, sugestão e pretensão constante em entristecer as duas filhas da lavadeira que desconheciam o mimo
Depois que todas as meninas visitaram a casinha, conheceram a novidade e se deliciaram com os comentários dos detalhes do interior da casinha pintada de verde escuro, espinafre, oleosa, realçada com amarelo forte... Depois de todos os comentários de surpresa de num único gesto ao abrir a porta, vários cômodos e ambientes simultaneamente aparecerem decorados com paredes empapeladas, quadros com molduras, mesinhas e do destaque nos comentários sobre o inesquecível lampeãozinho . cor de âmbar, com globo branco, cheio com algo que parecia querosene...de verdade, ...eis que surge a oportunidade  das filhas da lavadeira conhecerem a casinha...
            Foi assim... voltando da escola as irmãs são chamadas pela amiguinha proprietária do brinquedo, para a visita ao brinquedo...
Eu penso que este é o momento mais bonito do conto e da vida... quando as crianças são apenas crianças, sem carapaças de adultos, com suas vontades primordiais e sabedorias universais de compartilhar felicidades, distraídas  dos abismos sociais, dão as mãos para a liberdade da brincadeira, são amigos sinceros, livres de juízos e julgamentos apenas para brincar nesse saber pleno e absoluto de conhecimento infinito sobre todas as coisas unas...
E sinto isso atrás da vitrine...

Então, enquanto as crianças observam por fora e por dentro a casinha,  são enxotadas do local, pela tia fria, arrogante  e furiosa... e entra na loja a minha Avó Maravilhosa e compra para mim uma linda casinha de bonecas toda mobiliada e me entrega, me dizendo que hoje é dia do meu aniversário.

Aquelas crianças  enxotadas, ao descansarem numa manilha comentam entre si que viram o lampeãozinho. E eu penso na importância daquele lampeãozinho na minha vida...

Porque aquilo que você tocou com os olhos, aquela verdade que você viu,  será para sempre sua,  um lampeãozinho aceso, compreende?
Aquilo que você viu é uma verdade e ninguém pode te tirar. Nunca mais. Nem você.
Aquilo que vc viu é uma propriedade.
Todos dirão o que quiserem. As pessoas verdadeiras sabem quem são as pessoas mentirosas.
As vitrines? Nem as vejo mais. Não estás vendo o lampeãozinho proeminente que eu trouxe para você?
Fernanda Correia Dias
in A Casa de Bonecas na Vitrine


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