segunda-feira, 26 de dezembro de 2016

Búzios . 
Foto Fernanda Correia Dias
Búzios
Foto Fernanda Correia Dias

Eu tenho consciência que sou também índia.
A minha presença física impõe uma presença indígena que me antecede.
Foi desde sempre assim.
Minha mãe me dizia: _Você é lindíssima. Fora do comum, com esta cor de jambo, com este cabelo preto como a asa da graúna, liso, brilhante, líquido feito água...Estes olhos de Jaboticaba luzidia...Os dentes de branco muito branco...! 
Na Bahia ouvi novamente esta referencia: _Você tem cabelo liso de água... é como descrevem o cabelo liso que quando seco você segura um bocado e ele vai escorrendo mole entre os dedos sem parar como água, ...igual ao seu!
Mas é sobre uma presença indígena que me antecede que estou escrevendo...uma que cheira o ar, a chuva, a água, a folha...antes de mim... Uma que cheira o sal e o açúcar e reconhece pelo cheiro o que dizem ser inodoro...Uma que decide a direção e a hora da caminhada porque precisa encontrar alguém e entra em sincronia e encontra...Uma que lê o tempo, lê as nuvens e as superfícies das águas e transborda em sabedoria...E enxerga para eu ver...e toca para eu ouvir e sentir... E me aproxima do que eu sei que vai me fazer bem, indo mesmo na mão contrária da maioria.E me afasta quando percebe que talvez, não...
Aqueles que me acompanharam ao longo de todas as minhas idades, reconhecem que a minha presença indígena me antecede e é forte, precisa e sensível. Me dizem isso. Vocalizam. Me perguntam: Como você percebe? 
E essa pergunta ecoa muito dentro de mim como numa sala interior de águas translúcidas, espelhadas e lisas pedras...
in Líquida .Fernanda Correia Dias




Árvore  . 
 Foto Fernanda Correia Dias

                                                      Árvores . Foto Fernanda Correia Dias

Por aqui, aquilo que nem todos encontram... Uma cerejeira no caminho!
Eu descia a rua, sabendo que ia encontrar aquela cerejeira em festa! Preparava meu coração...!
Muitas cerejas no chão, muitos miquinhos felizes e uma alegria em exuberância...! 
Ah... eu descia pensando que toda aquela rua talvez tivesse sido um campo coberto de cerejeiras que iam à beira do rio... E encontravam os Jambeiros na esquina...Porque o tronco da cerejeira era meia braçada!
Grosso! Firme! Quantos anos para ficar naquele diâmetro?
E como podem as cerejeiras necessitarem de 800 a 1000 horas de frio para produzirem cerejas, se as daqui explodiam lindas, perfeitas e deliciosas frutinhas em pleno verão?
Não sei...não sei... mas meu coração assistia toda aquela beleza! Sim, porque uma árvore em festa de frutos e miquinhos felizes é algo que te abraça com muita ternura o coração!
Afinal, os miquinhos tinham seus corredores de árvores, para viverem em estado permanente da mais pura felicidade... com frutas, frutos, troncos, folhas e flores também! Muitas vezes os fios elétricos... os postes... aquelas caixas imensas de eletricidade que os micos desavisados e curiosos as vezes morriam eletrocutados... Mas... 
Então hoje eu não vi a cerejeira. Como?
Não tem mais cerejeira?
Arrancaram?
Levaram com raiz?
Por quê?
Meu coração um fiapo... Resolvi perguntar ao Senhor que tantas vezes vi varrer o chão com os frutos e reclamar dos micos... da sujeira... da algazarra...
Ele me respondeu: Também estou triste. Mas a ventania deitou a cerejeira no chão (!)
Como? Não posso acreditar! Era grossa, firme, nada poderia derrubar...
O vento? O ven-to?
Ah... não!
Não tinha copa que vento derrubasse...
Só alguém que não amava aquela festa... E agora plantou lírios????
Vai plantar mais lírios??
Ah... Não...
Me diz assim animado que vai plantar lírios?
_ Estou muito triste, assim como a Senhora, também amava a cerejeira... Fiquei muito triste... O serviço da Prefeitura arrancou e levou...O Serviço de Parques e Jardins...
Ah... Não! Eu não acredito!
Eles são preservacionistas, não fariam essa maldade...
_Pois foi. Eu vi. Estava presente.
Qual o seu nome?
_Fernando.
O Senhor sabe o que significa Fernando?
Não? Pois vou lhe dizer: Aquele que é ousado o suficiente para propor a Paz. O Diplomata. O Conciliador.
Se estavas presente, por quê não evitou? Por quê não conciliou? O que lhe faltou de ousadia para impedir? Por quê não abraçou a cerejeira? O que  faço com a dor que estou sentindo agora?
Vamos encontrar um outro pé de cerejas? Vamos plantar?
Vamos? 
O que vou fazer com a tristeza que vai me devastar todas as vezes que eu passar por aqui e me lembrar do que era e o que temos, falei com meus olhos cheios de água...
_ Não sabia que a Senhora ia sentir tanto...
Pois assim é a vida, o Senhor não sabe? Que tudo à nossa volta nos diz diariamente e anos e anos, muitas notícias lindas? E tristes também? Vou me acalmar, conciliar... é a minha natureza de fernandaria nessa morenaria... Mas se encontro uma mudinha de cereja, trago e o Senhor planta! Combinado?
_Combinado!
Então pensei...
E o mundo fica mais belo, ainda que utilmente, quando por ele anda teu coração! * em diálogo ao poema  de Cecília Meireles, Epigrama n1 do livro Viagem. Leia! Não perca!


In Fernanda Correia Dias
Árvores

* in Cecília Meireles . Epigrama n1 . Livro Viagem