quinta-feira, 19 de maio de 2016

Chicas!
Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . James, o gatinho da minha Mãe

Olho para o Adrián Ruggiero, tocando o bandoneón e as notas entram no meu cérebro apertando meu sentimento em várias cores. Os braços dele abrem e fecham o fole, as mãos vigorosas, não largam as alças e vem chegando aquela nota pequena, baixinha, última, do último folego do fole. A boca de Adrián parece que ajuda a buscar a nota. A boca se empena, feito uma boca de criança que vê e sente algo ao mesmo tempo e usa os lábios para.pensar, contorcidos no esmero ou soltos no tempo. Distraídos.
Minha mãe tocava o acordón dela como Adrián toca o bandoneón.
Sensual. Buscando acertar no tato o nota que sente no ouvido.
Minha mãe gostava dos tangos. Arfava o peito simultânea ao fole, abria as saboneteiras sorrindo, os ombros, os braços e sorria estendendo na nota várias sílabas de palavras. Ia formando frases coloridas.
As mãos vigorosas do Adrián, são diligentes como as mãos da minha Mãe. Acertam a nota, aproximam o tom e  puxam, arfam, dedilham, amanham acordes.Dizem, sussurram, gritam...
É comovente.
Estava muito alto o som dos demais instrumentos e abafavam o bandoneón. Pedi para abaixarem o volume de som dos instrumentos... Não foi o suficiente...Apesar de solos de vilões, guitarras e percussão excepcionais,  transbordando talento e competência, o solo do bandonéon é Amor y Pasion como escreveu Adrian, para mim.
Quando você puder escute Milonga del Angel parte 2 e Portal de l´Angel. São belíssimos...Ah escute mais... para entender este trabalho melhor tens que ver o grupo que acabei de ver no Centro de Referencia da Musica Carioca Artur da Távola ou em qualquer lugar no mundo.
Fernanda Correia Dias
in Num bandoneón as mãos de Adrián, 
diligentes e comoventes. 


Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . James 2016

Quando eu recebi a minha primeira calculadora, eu lembro que eu duvidava dela. Do resultado da operação que ela mostrava no visor. Conferia com lápis e papel.  Alguém quando me pedia a calculadora emprestada, também perguntava: a sua calculadora está funcionando bem? É confiável?
Não tínhamos confiança nas calculadoras. Não tínhamos.
Nunca perdi o hábito de fazer o calculo mentalmente visualizando ou escrevendo os numeros, mas o trabalho intenso, me obrigou a conferir cálculos dos outros utilizando a calculadora.
Nesse tempo não existiam os celulares e eu tinha máquinas calculadoras de bolsa, de mesa...
Quando percebia que estava perdendo a habilidade de operar com velocidade e exatidão os números  eu abandonava a calculadora, fazia no lápis... e depois conferia com a a calculadora... Percebeu a inversão? Passei a duvidar de mim... a depositar mais confiança na calculadora.
Um espanto!
Quando os telefones celulares chegaram com as agendas e todos nós passamos a ter mais um numero de telefone, tínhamos que anotar os novos números e os nomes. Com a facilidade de encontrar a pessoa onde estivesse por celular, não a encontravamos mais no telefone fixo e eram muitos telefones novos...Sabíamos que começavam por 9... Redigindo na agenda eletrônica o nome da pessoa e o numero e a facilidade de localizar o nome, passei a não ver o número... Só o nome e chamar.
A minha memória só lembrava dos numeros antigos... dos telefones fixos... Não quis gravar os celulares de ninguém... Nem o meu... Mas quando acabava a bateria do telefone, eu não tinha o numero de ninguém... 
Tinha uma dependência? 
Então, para minha felicidade, anotei numa pequenina agenda de telefones que eu mais uso. Mantenho na bolsa, ao lado do celular. Na falta de bateria,tenho os números  e posso ligar de outros telefones.
Mas... estas tecnologias facilitadoras, o que elas fizeram da minha memória?
 Com a transferência dos dados arquivados na minha memória para outro lugar fora do meu corpo, me  transformei em alguém que não queria mais reter nada...
Alguns me diziam... Ah... mas agora você tem mais espaço para pensar, pesquisar...
Mas, qual nível estou de velocidade de pesquisa e pensamento que até os dados provisórios com os quais eu estou raciocinando estão evaporando, volatizando junto com ideias...?
Para onde estão indo no meu corpo? 
Prestando mais atenção no espaço da memória para aprender novos assuntos, percebi que me transformei em pesquisadora contínua.
A velocidade com que obtenho respostas para as minhas perguntas e dúvidas nos buscadores da internet, me transforma todo dia em alguém melhor. Amplia, dilata e aprofunda assuntos e estudos que antes não eram apenas superfície...Agora varam matérias, átomos, agregam-se e desintegram-se formando com as mesmas partículas outros raciocínios...
E sinceramente, nem olho mais para o que estou vendo...
Estou criando uma massa poderosa dentro do meu cérebro com estes teradados onde estou habitando...
Fernanda Correia Dias
in Memoriam



segunda-feira, 16 de maio de 2016

Cauby Peixoto
Fernanda Correia Dias . Guache sobre cartão branco

Cresci ouvindo as faxineiras,cozinheiras, feirantes, motoristas e jardineiros idolatrando Cauby Peixoto. Era o cantor desta gente. Do rádio A.M. Meus professores, quase todos, nas escolas em Laranjeiras, em Ipanema e na Gávea ridicularizavam Cauby e declaravam que o cantor era alguém que não merecia crédito nem consideração.
Na minha família, abertos à musica, aos músicos e à concisão das ideias na poesia da musica, tudo ouvimos e conhecemos.
Então, anos mais tarde, em Copacabana, dentro de um super-mercado, próximo à estantes de enlatados, ele, o Cauby, estava conversando com uma senhora sobre as compras que estavam fazendo. Ouvi uma voz terna, firme, aveludada, espessa, dizendo com amor, palavras sinceras sobre o quê e por quê deviam comprar. Ponderava com equilíbrio, argumentava com razão. Considerava com palavras delicadas, gentis em assunto árido. Levantei meus olhos para a voz que estava na minha frente e era de alguém muito alto, provavelmente com mais de um metro e oitenta e seis. Eu estava abaixada e dali ele ainda ficava mais alto. Na minha frente dois pés cobertos por chinelos de couro preto, acolchoados, daqueles de quarto, onde os dedos ficam protegidos, a bainha de uma calça preta. Sobre a calça estava a bainha vinho do robe de chambre acetinado. Uma faixa sobre um transpasse na altura da cintura. Por baixo do transpasse uma camisa branca, de punhos e gola branca e a cabeça do dono da voz. Olhando na minha direção, o dono da voz, sorriu gentilmente para mim e perguntou: _Estamos no lugar certo? A senhora que estava com ele comprando, de costas, respondeu que sim, mas ele disse para ela:_ talvez não... e me perguntou apontando uma prateleira: _Deseja ver esta estante? Sorri, agradeci enquanto me levantei e puxei meu carrinho de compras para perto de mim. Perguntei: _Como está você Cauby Peixoto? Quando e onde será sua próxima apresentação? E ele no mesmo tom que tinha usado para falar comigo, respondeu que estava bem, muito bem, perguntou como eu estava, me ouviu dizer que eu estava bem e me disse o nome do teatro e os dias dos espetáculos, confirmando com a senhora que o acompanhava os horários.
Ninguém veio conversar com ele. Ninguém falou o nome dele.Ele não estava portando óculos escuros.
Tinha uma peruca de cabelos em caracóis. Na pele do rosto e dos lábios, uma maquiagem. Era dia. Nos despedimos com simpatia.
Levei no meu peito a impressão de ser um humano brilhante, de voz bela, com atitudes belas.
Merecia muita consideração. Ainda que ele não fosse o cantor das musicas que eu ouvia, sempre que cantou na tv, no rádio ou no teatro, apresentou voz clara e  imensa.
 Inteira. Emocionada e emocionante.
O ser humano tem dificuldade de aplaudir ou reconhecer valor até naquilo que tem evidente valor?
O ser humano abafa o que brilha com luz própria?
Mas, o que brilha com luz própria é brilhante e nada pode apagar.

Fernanda Correia Dias
in Ontem, dez minutos para a meia noite, o coração dele fez silencio.
Estava comemorando sessenta anos de profissão de cantor.
Quantos seres humanos podem comemorar sessenta anos de trabalho em alguma profissão?
E na profissão de cantor? 

  
  

segunda-feira, 2 de maio de 2016

Feliz Natal . Fernanda Correia Dias

A Bola de vidro e a refletância
Para a Lina Tamega até sempre, JoaLina!
Os ares do tempo, ventando verde, espelho e vento, fizeram assim..
Um sopro de vidro de amor, divino, desventando liso, faces minúsculas lá dentro,
elas, eles, nós e os demais, no centro do peito, deslizamos em verso, síntese, nexo,
abduzidas  e silenciosas pelo concavo e pelo convexo...
A festa contém a mesma árvore acesa sobre o tapete que voa, anos, naquelas noites e todos nos acompanham com música, muita música, enquanto nos olham e nos olhamos.
Refletância. Prata, alumínio ou amalgama de estanho sobre o vidro em esférica lâmina.
Sobre nós, brilha a estrela guia e os pisca-piscas, vês, nos avisam quando o fim e o recomeço, sempre e para sempre! Vemos? Vemos. Porque Papai Noel não faltará com nossos presentes, presentes nos presentes.
Eu pedi para te encontrar na festa e quis te deixar dentro da festa permanente, JoaLina, por isso, conserva com você e com os seus, a beleza da fragilidade da bola de vidro, que faltará nesta caixa, ventando verde, espelho e vento nos ares do tempo em festa de vida permanente. Presente do Presente!
Fica perto, bem perto, lá dentro do espelho, do brilho, irmã, onde as noites estão repletas de estrelas _pães de mel também, balançamos nos braços da árvore e conscientes, no fio do açúcar que desenha_ a vida é este sopro, antes de nos multiplicarmos pelas letras no chão, infinitamente.
Trouxeste o Padre Pio e a Andorinha de Bordalo?Vamos ao Amanhã? Lembras teu filho? A neta?
Vamos! Recebi o poema da Bola de Vidro que escrevestes com ar da tua respiração e te envio agradecida, estas noções que ficaram comigo, noções e verdades que foram dadas por todos estes anos que convivi e que reencontrava estas caixas de bolas de espelhos, verdes, sempre verdes...Vedes? 
E naquele dia quis te dar o que ninguém te daria. 
Algo sem nenhuma importância para qualquer um.
Menos para nós, abduzidas que somos nas imponderáveis faces das ideias, para as novas vidas!
Eu, a neta de Cecília e a dona das caixas de bolas verdes de vidro da árvore de natal...naquele dia, em que entreguei pessoalmente na sua mão, e aceitastes, a fragilíssima bola da caixa, pertencente à árvore de natal...de todas as noites de sonhos,  tão fina, esta que não fabricam mais, nunca mais... esta que se cair, multiplicará seu rosto perplexo três mil vezes refletido e refletindo nos espelhos no chão e que puseste no lugar mais seguro e inquebrável: No teu poema, A Bola de Vidro; na sua mão.
Beijo Lina, da Fernandinha
Fernanda Correia Dias
In A Bola de Vidro e a Refletância