quarta-feira, 9 de março de 2016


Fernanda Correia Dias . Enquadramento
Fernanda Correia Dias . Fotógrafa .
Enquadramento
Notei que vinham uns atrás dos outros e embolando grupinhos, no que deveria ser uma fila de pessoas desejando comprar bilhete para o cinema. De três em três eu somava mentalmente trezentos anos...
Eram muito idosos e perfumados à naftalina.
Concentraram-se em torno da letra J para cima nas cadeiras numeradas. No escuro não cediam espaço e passagem para que os retardatários encontrassem o numero de suas cadeiras. Nem tinha o tal do lanterninha para facilitar...
Os mais próximos mastigavam amendoins naquele estrondo bucal que nem as cenas mais excêntricas e barulhentas do filme abafavam! Era mesmo difícil suportar  naftalina com barulho de amendoins bucais praticamente atrás da minhas orelhas... E então a minha vizinha da esquerda resolveu reclamar em voz alta do meu celular que acendi para me servir de lanterna e enxergar que pernas eram aquelas que estavam me chutando no escuro...? Eram as dela! Mais um pouco a senhora da frente, falava enquanto a platéia fazia psiu! Psiu! e naquela psiulandia nada de ser audível o texto do filme enquanto os hálitos e mau hálitos expandiam-se no ar... Impossível ter vontade de respirar! Então vieram as flatulências desenfreadas da vizinha da direita...gases tremendamente venenosos e estrondosos e eu, ali entalada no centro da minha fila de cadeiras no escuro...e meu sentimento de não pertencimento aquele grupo foi ficando muito forte. Agora além da naftalina, amendoim, halitos e mau- hálitos, as flatulências... Foi quando aquela que reclamou do celular, resolveu ficar de papo com a amiga e eu decidi dizer para ela: A senhora pode parar de falar agora ou vai continuar? Todo mundo riu muito...E quando ela pensou em me responder que ia ficar calada... eu ainda precisei dizer aquele provérbio: Pimenta nos olhos dos outros é colírio, não é? Essa arrogância característica e insuportável é tipica daquela gente que ri da outra que está muito idosa e com o batom fora dos lábios, mas é gente que não vê a si mesma no espelho com o rouge excessivo...
Juro que eu quis amar aquelas pessoas. Mas é impossível. Percebi que o velho, tal como dizem das crianças, não são todos anjinhos não...  Querem tudo para eles, sofrem de um egoísmo que não combina com cabelos brancos, andadores, bengalas... Sentados no escuro, são maus e perversos. Não todos, claro, mas aqueles.
Fernanda Correia Dias
in Aqueles

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