terça-feira, 31 de março de 2015

Céu na tarde escura . Foto Fernanda Correia Dias
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Não sei seu nome mas estive diante de você na calçada onde ao seu lado no chão, estava uma mala muito velha e lindíssima aberta com moedas e cédulas de valores baixos espalhados por dentro sobre um veludo caramelo. Nas suas mãos o instrumento maravilhoso que minha mãe tocava sorrindo e que eu percebia como era difícil conciliar a mão direita do teclado fazendo um movimento com aqueles 120 baixos da mão esquerda fazendo outro e a puxada do fole! Aquele acordeon que minha mãe ganhou da mãe dela era um instrumento magnífico criado por Silvio. Um acordeon Scandalli! Da fábrica que Silvio Scandalli fez com a família dele. Harmônica? Minha mãe não dizia harmônica, ela dizia: _Toco acordeon! Adoro! Toco meu acordeon Scandalli, preto e lindo!

Mas você vai dizendo para mim enquanto canta: _ Sorrindo e querendo chorar, feliz assim olhando para mim, que nunca deixei de te amar*** que foi muito cantada por Gallhardo, o Carlos!
Olhei para seus ombros e vi os cintos que você improvisou para segurar o instrumento próximo ao seu corpo. Suas mãos bem brancas, o cabelo ruivo e dizendo ao termino da música ao tenor que quis te dizer para cantar mais baixo e não forçar a voz: _Estou cantando alto para abafar este instrumento que está desafinado. E o cantor observava que você cantava com muito sentimento e que era melhor o cantor que cantava com muito sentimento que aquele que cantasse gritando...O cantor tinha um bom sapato, um cabelo penteado e uma mulher. Estava alimentado e queria ensinar.
Quando você tirou sua mão dos baixos vi sua mão esquerda tremendo muito involuntariamente.
Percebi no seu olhar que você tinha fome. Que o cantor idoso estava esquecido de perceber o instante submerso naquele instante que é tocar um instrumento com uma mala vazia aberta no chão. 
Eu não quis dar nenhuma palavra, nem fazer qualquer comentário, apenas tirei da carteira um dinheirinho e deitei na mala, mas você com o olhar acompanhando a minha comoção cantou delicadamente Bate outra vez, com esperanças o meu coração...Entendi, acenei e parti
Levei no peito outra canção na voz da minha mãe:_Vai boiadeiro que a noite já vem, pega o seu gado e vai prá junto do seu bem!* E em seguida lembrei também: _Encosta sua cabecinha no meu ombro e chora e conta todas as suas mágoas todas para mim, quem chora no meu ombro eu juro que não vai embora, não vai embora porque gosta de mim.**
Fernanda Correia Dias
in Aviso aos navegantes
*de Luiz Gonzaga
**de Paulo Borges
***Bodas de Prata de Roberto Martins e Mário Rossi 


2 comentários:

  1. Ha, há, há... Hoje encontrei Adelaide Chioso que passou por mim na mesma calçada! Voltei e disse: Ah... Você canta aquela musica "Encosta sua cabecinha"... e toca acordeon... ?! A amiga que estava com ela disse: Sim! É ela! _De onde me conhece?Chioso me perguntou. _Da musica! Respondi.
    É assim, festa de primeiro de abril, típica da minha mãe que gostava da brincadeira do primeiro de abril, que tocava acordeon, que cantava: "encosta sua cabecinha" e que certamente ia achar divertidíssimo encontrar Adelaide Chioso nesta calçada no primeiro de abril de 2015!
    Há, há... Festa de acordeons! O crível das incríveis coincidências!!
    Beijo Mãe! Mummy, Mommy!!!

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  2. Bate outra vez... é obra-canção de Cartola, e o título é As rosas não falam.
    Lindíssima.
    Beijo no Cartola, também!

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