sábado, 2 de agosto de 2014

Quebra-mar . Foto Fernanda Correia Dias 

Ela era muito mais alta que eu quando eu talvez nem tivesse 9 anos. Cabelos longos, grossos, em linha reta, bem amarelos e com muito volume, pele branca, áspera. No rosto, na mão, no braço aquela pele áspera. Horrível era o que eu pensava quando precisava jogar handebol com ela no meu time, onde eu era atacante ou goleira e esbarrava em todo mundo, inclusive nela. Mas a América, era naquele tempo, a minha melhor amiga. Deve ter sido isso que ela pensou agora que eu encontrei com ela esperando o sinal abrir, para atravessarmos: Minha melhor amiga. Eu li isso na agulha do olhar azul dela. Na quebra da pálpebra apertando a íris pronta para tirar dos meus pensamentos: Não acredito! Quase cinquenta anos que não nos vemos! A massa humana que atravessava a rua, veio por minhas costas e as cores dos corpos e cabelos se misturaram como espuma ao instante anterior e sem ver mais onde estava aquele olhar na onda, por destino, no volume eu perdi América. America eu sei que era você. Perdoe a vida. Os homens. Todos os desencontros. 
Com Marília, não foi assim. Foi mais difícil. Ela estava sentada ao lado de uma enfermeira e olhou para mim e sorriu. Aquele sorrisinho que Marilinha sorria para mim com olhinhos de criança. E quis conversar comigo e eu conversei. E falamos de lembranças. Tomamos cappuccino quentinho. Eram muitos anos passados.
Quando perguntei como estava o Eduardo, ela disse que estava bem. As meninas...? Também estão bem! Netos, bisnetos? Sim! Umas gracinhas...! A enfermeira estava com os olhos arregalados olhando para mim. Marilinha estava contente. Me perguntou sobre minha mãe. Se estava boazinha, se estava ali comigo... Respondi que sim, dentro do meu peito. Ela me olhou com calma e profundamente e sorriu. Apareceram os dentes grandes. Mas percebi algo muito forte no fim do olhar e do sorriso. Não era ela. E por que? Não sei. Não era ela. Fui chamada por outra enfermeira, me despedi de Marilinha, beijei aquela que não era mais Marilinha. Duas horas depois a enfermeira me procurou para me fazer uma pergunta: A senhora pensa que o nome dela é Marília? É. Não é? É. Mas não é Valls não. E me disse o sobrenome. Ela está esquecida. Conversa com todos e é mesmo muito simpática. Agradeci. Não quis explicar à enfermeira como foi que eu percebi que não era Marilinha, mas... lembre-se... cada pessoa é única.
Fernanda Correia Dias
in Cada pessoa é única.




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