sábado, 2 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Cacau no jardim de Évora e José Carlos

Terenas em Aquidauana,

Tenho 14 anos e hoje vamos ver os Terenas, comprar anel de coquinho preto... comprar cesto... bichinho de cerâmica...
Viajo com ele por uma estrada horrorosa, toda de barro, com buracos abertos no chão... Imensos...
Meu corpo está todo quebrado... tantos pulos... estamos de pick-up...Trago uns potinhos plásticos lavados e com tampas... Trago dinheiro no bolso do short... Estou de sandálias, short e uma blusinha bem curtinha... muito calor...Ali, ali ele diz... Ali o que? Pergunto... Ali... não está vendo naquela poça... Está cheia das alfaces aquáticas que você quer levar para a Mamãe. Vá lá. Leva os potinhos...
Por que você não nos aproxima? Melhor ficar por aqui, porque neste pedaço tem um jacaré...
Jacaré? É! Estamos em Mato Grosso, esqueceu? 
Se eu ficar aqui posso ver os jacarés...
Desço do carro com os potinhos na mão e apoio os potinhos no chão, estou de cócoras, encho os potinhos com a água da "poça", que de perto não era bem uma poça..e com a tampinha vou colhendo as alfaces aquáticas com suas raízes... e deixo-as boiando nos potinhos...Mas ali de cócoras eu vejo dois olhos se movimento dentro da água... e enquanto levanto cautelosamente percebo que as alfaces também estão levantando e de cima vejo na poça uma forma de jacaré todo coberto de alfaces... e saio correndo em disparada agarrada com dois potinhos e digo para ele: Ligue o carro, ligue o carro, vamos! Lá está um jacaré enoooorme...
Ele está com os pés no teto do carro, às gargalhadas e sufocado de tanto rir...Completamente vermelho...
Repito, vamos! o Jacaré... E ele me explica que ele sabia e que me indicou aquela poça porque conhecia o jacaré... Sinceramente não acreditei que ele tivesse feito aquilo comigo.
Quando entramos na aldeia dos Terenas eu estava sem nenhuma vontade de vê los... E os índios Terenas já estavam completamente longe de seus valores e fundamentos. Usavam óculos escuros, relógios de pulso enormes, cocares, sandálias de plástico, short de marca...e os anéis de coco agora tinham coração... ao invés dos passarinhos, peixes, cobras, estrelas e luas...Comprei uns anéis feios, feios, um cesto e uns bichinhos de barro...tão feios que pareciam bonitos por serem tão feios.

Voltamos à tarde e buscamos as menina.s Fomos nadar no rio Aquidauana ao pôr-do-sol...Um rush de carros na ponte entre Aquidauana e Anastácio... Ele me diz que o rush é porque eu estou de "tanga" (modelo de biquine), mas as meninas também estão... e eu entro na água para não deixar minha tanga visível... Então a ponte fica intransitável completamente  e apinhada de gente...As pessoas gritam...O que elas gritam?
Nãosei. Não ouço. Estamos longe. Vamos para casa?  Voltamos por uma entrada da cidade pouco usada.
Eu estava com muita sede, entrei num botequim e pedi um refrigerante e ouvi uns homens horrorizados com minha blusinha curta...Eu já estava de calça jeans sobre o biquine, de blusa sobre o soutien do biquine e precisava beber algo e aplacar a sede...Quando voltamos, comentei com a mãe da moça que nadamos no rio Aquidauana,.
Oh... lá não...Eu prossegui... Estava lindo... a praia do rio com areia branquinha...branquinha... o sol vermelho...a ponte engarrafou...É eu soube que a ponte engarrafou , a mãe da moça me interrompeu, e prosseguiu... Disseram que tinham umas turistas e um rapaz. Uma delas nadou no rio e certamente elas não devem saber que aquele rio é cheio de cardumes de piranha...Que este peixe é voraz e carnívoro...
É? Já viu? Só vi empalhado... Tem uma boca muito feia...Éramos nós... Será? Éramos...
Então todos já tomaram banho e saem de casa com a mãe da moça. Combino que vou encontra-los no restaurante...e quando eu tiro a roupa no banheiro escuto um assobio... e depois mais outro e outro.
Tomo o banho correndo, me visto correndo bato a porta e vou para o restaurante correndo.
No dia seguinte descubro que papagaios ensinados, assoviam e... falam...Mas esta é outra história...
Alô Mamãe... está tudo bem, já temos alfacinhas aquáticas, anéis de coquinhos, cestinhos e bichinhos de barro...Estamos a quarenta graus, vi um por do sol maravilhoso, tomei banho de rio...Estou comendo chocolate...Beijos, saudades, Te amo Mamãe!
Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio





2 comentários:

  1. Telma!
    Eu e As Mil e Uma Noites temos algo semelhante...
    Ou mil... ou noites...ou "As"...
    No mais é tudo verdade. Não tem nenhuma invenção não. Relato de realidade tem sempre aparência de ficção. Nunca é totalmente crível.Só quem viveu escreve o inacreditável. O espantoso...Porque o inacreditável e o espantoso existem...
    Beijo! Fernandinha

    ResponderExcluir