segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa. Rio de Janeiro Cidade Maravilhosa

No dia seguinte, escovando meus cabelos outro assovio.Mas quem será que assovia?
De onde me observam? Quem faz isso?
Todos dormindo...Todos?
Não... Tem alguém acordado, não é possível...
Voltei para o quarto, deitei na cama, esperando que alguém batesse na porta avisando sobre o café da manhã... Então ouvi: Cacá... Cacá... Cadê o Cacá?
Abri a porta do quarto e fui para a cozinha onde uma mesa imensa estava repleta de pratos, bolos, pães, sucos, café quetinho, leitinho... mas... Onde estava a "pessoa" ou as "pessoas"?
Não estavam. Virei as costas para voltar ao quarto e ouvi o assovio, ouvi Cadê você?
Então fui para a porta da cozinha de onde vinha a voz e vi a área de serviço, as roupas lavadas penduradas nos varais, outras de molho nas bacias, outras "quarando"... E mais ninguém...Tudo parado.
Na volta vi um papagaio. Um papagaio vermelho. Pequeno. Próximo à soleira-da-porta da cozinha.
Você sabe o que significa soleira-da-porta? Será que no Rio de Janeiro ainda existe alguma porta que toma  sol?
Entrei, passei pela mesa e fui na direção do quarto e ainda ouvi o assovio...e o Cadê você?
Decidi não participar daquele surrealismo, pensei que talvez a casa fosse muito devassada... Que vizinhos... Talvez os vizinhos...Talvez eu tivesse ouvindo os vizinhos... Questão de acústica, talvez...
Fiquei lendo na cama e detestando toda aquela espera com leitura interrompida por assovios e vozes.
Bateram na porta do meu quarto e me chamaram assim: Ué? Você não vai tomar café-da-manhã, não?
Todo mundo já tomou...To-do-mun-do? Como é que eu não ouvi nada... Meu quarto está aqui tão perto da mesa do café...
Então sentei na mesa imensa, tudo já estava revirado, mexido, comido, bebido e tomado...
Em seguida, fui para o varal buscar o biquine e alguém falou assim: Loro...dá o pézinho, Loro...Cadê o Cacá? Cadê? Assovio...Assovio... E hino nacional brasileiro: Ouviram do Ipiranga às margens plácidas... E um bichinho, vermelhinho de asas era o dono daquela voz, do assovio...das perguntas.
Fiquei pasma! Me aproximei e ele continuou como uma vitrolinha...Um brinquedo... (Você sabe o que é vitrolinha??) E repetia todo o repertório... e... Repetia...Fiquei observando aquela língua dura e preta como uma castanha de caju dentro do bico curvo modulando a voz...Modulando o hino e as perguntas...
O papagaio verde da Vó Ana só gritava assim: Loro! Loro! Mas eu nunca vi ele falando...
A palavra Loro... A palavra Loro é que me fez olhar cautelosamente para aquele papagaio vermelho...
E papagaio vermelho fala mais que papagaio verde?
Ninguém respondeu, porque não tinha ninguém...
À tarde, fui conhecer araras que conversavam, que falavam muito... Araras vermelhas e azuis que moravam na casa da amiga e já estavam idosas...
Alguém te contou que araras falam? Não?
Araras falam.
Não sei onde você pode ver ou ouvir.
Araras falam e viviam assim nos jardins das casas de Aquidauana e Anastácio...nos anos setenta.
E já te contaram que papagaio ri? Ah... essa é outra história...
Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio




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