domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Ton sur ton

Cada um sabe que nada somos se não podemos ajudar quem está ao nosso lado e que é preciso zerar a fome no nosso País e que ainda falta muito...
Reuni roupinhas, brinquedos e sapatos.Tudo tinha sido usado.
Mas os sapatos...Três bolsas equivalentes e seis normais...
O sapatos...De todos os tamanhos para todas as idades de diversas  cores, modelos, para várias circunstancias: Jogar tenis, andar na chuva, subir na montanha, ir e voltar da praia...do trabalho, da escola, etc...
Ofereci e a palavra parecia uma senha mágica: Sapatos! Sa-pa-tos! Ah... Eu adoraria mandar para a Paraíba, para a Mãe, o Pai, irmãos, sobrinhos... Sa-pa-tos! Ah... Dona... a Senhora não sabe como eles precisam... Anda tudo descalço...Já tão acostumados, mas sonham com sa-pa-tos!
Então, são seus. Todos? E pode? Pode. São três bolsas... Grandes... Você tem alguém para te ajudar?
Tenho! Vou hoje mesmo e levo para a Rodoviária.
Passou, levou, mandou carta para a Mãe acompanhando a remessa dos Sa-pa-tos e a mãe respondeu e mandou agradecer muito...Estavam todos felicíssimos com os lindos sa-pa-tos, me contava sobre a felicidade com os olhos cheios d´agua, enquanto me abraçava forte. Sem estudo e alfabetização mãe e filha trocavam cartas que eram ditadas por elas aos escribas que cobravam pelo serviço completo da redação e da postagem... 
No fim do ano, ela e os irmãos compraram para a Mãe uma geladeira. Ajudei. Uma ge-la-dei-ra e enviaram para a casa da Mãe. Na Paraíba.
Usando meu telefone ela ligou para a telefônica da Paraíba para ter notícia se a mãe tinha recebido....Ah...Foi um acontecimento... Todos na cidade sabiam que a Mãe tinha uma geladeira... a Mãe recebeu a ge-la-dei-ra! Mandou avisar que: os irmãos juntaram o dinheiro para o presente cada um deu um tanto e mais outro tanto para ela este ano aindáhr visitáhr a Mãe e o Pai para o Natal nas férias coletivas, porque ela não viu nem a Mãe nem o Pai, hora nenhurrahh i éhrr otio ano!
E me mostrou a fotografia feita em casa, com a mesa de bancos longos onde todos os irmãos e sobrinhos sentavam antes dela vir trabalhar no Rio de Janeiro... O chão de terra batida, o recorte da revista com  Jesus num prego na sala e foi dizendo o nome de cada um. Mais de quarenta...Só vintehr é de Mainha...
Quando voltou de férias coletivas, me contou como foi a visita aos pais na Paraíba:
Cheguei na Paraíba, tomei outra condução, pensei que alguém fosse me  buscar, mas não vieram não. Liguei não. Fui sozinha. Já tinha esquecido como era trabalhoso chegar na minha cidade... A gente esquece rápido as dificuldades, né?
Quando cheguei em casa estava seca... abracei todo mundo, beijei muito meus pais e queria beber uma água geladinha, vi a geladeira ainda com o plástico da loja e disse à Mãe que era caprichosa: Pode tirar o plástico Mãe...A tinta foi pensada para isso e fui puxando...
E quando abri a porta e olhei para dentro, vi todos os sa-pa-tos e sapatinhos arrumadinhos por tamanho e par, dentro da geladeira.
Perguntei à Mãe se ela preferia ter uma sapateira na cozinha ao invés de ter uma geladeira com tudo geladinho... inclusive água... e minha mãe me disse que ela gostou muito dos sapatos, e que tinha guardado os sapatos dentro da geladeira porque ela não tem onde enfiar a tomada da geladeira. Em oito anos, Dona, eu pensei que a luz já tivesse chegado lá... mas ainda não chegou não...

Fernanda Correia Dias
in  Paraíba de Deusa e Leda 1987






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