sábado, 2 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotografa . Cacau no Jardim de Évora e José Carlos

Monte Pascoal

Completei 18 anos no último dia de dezembro e em Janeiro, no seu carro novinho partimos pela estrada à fora.Fomos do Rio de Janeiro à São Luis do Maranhão...
Mas as histórias do caminho...Ah... As histórias do caminho!

Vínhamos eu e ela pela estrada lendo nas placas da rodovia: Parque Nacional do Monte Pascoal...Parque Nacional do Monte Pascoal... Parque Nacional do Monte...Pas...
Eu estou pilota do carro e ela ao meu lado de co-pilota. Revezávamos. Ora ela, ora eu. Quando chegou a entrada, ela respondeu: Sim, Fernandinha, entra! Vamos sim! Sinaliza com o mapa e a caneta na mão, na mão direita.
Uma sapolândia entrou no nosso cérebro! Nos exaltou feérica com cantorias altíssimas e isto é um templo à céu aberto! Ela gosta de sapos, não é? Adorooo fi-lhi-nhaaa!

Então, somos nós, o céu imenso da tarde e a coro da sapolândia, quando paro o carro para ver onde estavam os sapos invisíveis que ela quer capturar um, para que eu veja um sapo...Um sapo! (Nunca vi um sapo calmamente como gostaria de ver, nem um sapo cantando...)....Mamãe...Vamos...Eles estão invisíveis cantando...Para dentro do carro e a tarde estava caindo rapidamente. No retrovisor vejo um índio correndo atrás de nós que estamos dentro do carro. Digo:Mamãe, tem um índio correndo atrás de nós... Ela responde: Mentira! Você está brincando... Não, não estou...É? É... ele corre muito... E tem um a arco na mão...E tem flechas...Minha filha! Que perigo! E não tem ninguém por aqui...Só nós duas e só ele! Só ele Mamãe...É mesmo... Um índio! Acelera Fernandinha... Acelera... Ele não vai nos pegar porque nós estamos de carro...Feche sua janela...Por que? Sei lá... as setas... Mamãe ele é forte... Ele é grande... É velho? Não... ele é grande e está ficando maior....

Depois de acelerar muito, o índio sumiu do retrovisor...Chegamos a um pátio onde vimos o portão do Parque Nacional do Monte Pascoal fe-cha-do...
Era preciso manobrar o carro para voltarmos...na mesma pista que viemos... Enquanto isso o índio crescia no retrovisor e pelo tempo que correu estava desfigurado, de pés descalços, exausto com os olhos nos espetando como setas...
Então, enquanto eu manobrava ele me viu mais de perto e eu resolvi abrir a porta do carro e olhar para ele em pé e ele olhando para mim abaixou o arco e a flecha. Perguntei o que você quer? Ele mostrou a lança, o arco e eu respondi que tenho.... Ele me mostrou as flechas e eu respondi que tenho... Um grupo de índios com mais de trinta indivíduos entre adultos e crianças repentinamente aparece naquele imenso silêncio que a sapolândia faz para emoldurar o encontro.O grupo ataca o nosso carro... Querem as garrafas térmicas, querem os edredons, os bijús de tapioca, os biscoitos, travesseiros e tudo o que veem e fazemos trocas: Colares, cocares, cestas.... e Vamos...Os índios estão descontentes com o Governo. Estão com fome.
Aprendemos algumas palavras enquanto trocamos. Voltamos para a estrada.

Agora eu e você estamos de cocar na cabeça e muitos colares no pescoço.Estamos rindo um susto e somos invadidas por uma sólida felicidade que está instalada nos nossos pulmões e dentes. Ninguém passa incólume por uma experiencia. Nem temos para quem contar nossa nova história de viagem....
Vamos nos contando o que vimos uma da outra, uma para a outra, como espelhos falantes...
Você diz: Queria que você visse, Fernandinha a cara que você fez quando disse ao índio que você tinha arco e tinha flecha... Com este teu cabelo preto liso...Esta franjinha igual à dele...Queria que você visse a expressão dele quando percebeu sua segurança, serenidade e calma, Fernandinha...
Mamãe... eu falei a verdade. Tenho mesmo arco e flecha, aquele que você mesma me deu.  Só não está aqui. Não é não? É.
Estes índios Pataxós usaram conosco estas palavras:  Murici-cala a boca , Patathay-sapato, Mangute-comida, Macaíaba-beijú, Akuã-flecha, Kanhambá-dinheiro, Kaô-pode chegar, Kuinhuna-farinha, Maçaka-colar, Takape-lança, Tapitá-banana. Mas estas palavras eu só descobri o significado depois que voltamos de viagem com as anotações que fizemos com a caneta da Mamãe no mapa...

Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio. Respeito a vida







Um comentário:

  1. que maravilha de viagem......!
    (acompanha olhos sonhadoooores no horizonte)
    :)
    um beijo

    ResponderExcluir