sábado, 9 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa. Árvore em céu verdadeiro de verão na Tijuca

Para conhecer esta cor que você não vê normalmente no céu
é preciso querer ver.
É preciso ir à Tijuca e olhar o céu.
É preciso lembrar de outros céus
para perceber a hora de fotografar este.
Ficou igual.
Fernanda Correia Dias
in Céus!



Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . A árvore das crianças.

Jane Elliot, socióloga,  ganhou um Emmy pelo documentário de 1968?
Aplicou um exercício de discriminação na sala da terceira série baseada na cor dos olhos das crianças?
The Eye of the Storm? Vi. Não gostei.
Lembrei de Gandhi: Olho por olho e o mundo acabará cego.
Fernanda Correia Dias
in Geografia Familiar


Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Agapanto

A exposição do Paço Imperial com o acervo de Ana está tristíssima. As obras do pai expostas então estão em estado lamentável... as demais... Dão exatamente o retrato do longo instante de imenso sucateamento em que as artes plásticas brasileiras estão mergulhadas. Onde estão os idealistas? Os verdadeiros protetores da cultura nacional. Ooooonde?
Olhei para dois pares de olhos que me olhavam de dentro da parede...conversei com Lázaro II que lambia a parede..Fotografei autorizada pelo segurança que avisava a todos os presentes que estavam autorizados a fotografar... a sensação de Juízo Final...Apocalipse Now...
Benditos os agapantos que nascem e renascem todos arrumadinhos dentro de mãos lilases para coroar a vida e a morte mesmo debaixo de grossa e perfgumada chuva.
Bendita Ana e Oscar.
Fernanda Correia Dias
in Niemeyers

Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Jasmim manga dando flor em casa

Ninguém estranha que num galho de jasmim floresçam os indivíduos daquela espécie exibindo flores com tamanhos, formas e perfumes praticamente idênticas. Seria mesmo surpreendente uma das flores de um pé de jasmim-manga, ser um antúrio, não?
Hoje ninguém estranha que a cantora cante exatamente como a sua mãe e o cantor cante como o seu pai, ou que a pintora pinte como o sua avó e que o neto toque piano como seu avô.
Tamanha obviedade, uma autentica ressurreição, não é mais vista ao menos no Rio de Janeiro, como "imitação", "falta de imaginação","vivendo na sombra dos méritos do pai, mãe, avô,avó, tio, tia..." É?
Espero que não. Minha mãe, Maria Mathilde escrevia sua poesia diariamente e onde estivesse. Filha de minha avó-poeta-pedagoga Cecília Meireles, minha mãe escrevia sua poesia por seus próprios motivos. Escrevia porque escrevia, porque precisava escrever. Era vital. Era urgente. No guardanapo, no embrulho, no lencinho. Fez isso por toda a vida e eu assisti. Um dia, decidiu aos quarenta anos ingressar na Faculdade Nacional de Direito, fez vestibular, passou, foi representante de turma, aluna exemplar,se formou e em seguida se especializou em Direito Autoral, matéria desconhecidíssma hoje e na época então, um dinossauro jurássico.
Então, eu com uns oito anos deixava sozinha e à pé a Escola de Danças do Estado da Guanabara, atravessava o Campo de Santana e encontrava a minha mãe dentro da sala de aula da Faculdade.
Para me distrair ela me dava os poemas que tinha escrito nos intervalos e eu lia.
Li sempre todos os seus poemas. Eram e são ótimos.
No começo dos anos oitenta a poesia contemporânea aplaudida espelhava concretos vazios, tão grandes que as letras esqueléticas e  palavras escolhidas passavam a uma importância esvaziada e ampliada. Uma lente do poeta chegava a cada letra como uma lanterna nervosa para reconhecer o cadáver poético... Eu via aquela luz sem filosofia...Sem estrela, perdida, varrendo corpo-seco e fixando vácuos, enquanto a poesia da minha mãe transbordava vida. Assoprava, assoviava, mergulhava...
Um dia reuni uns meses de sua poesia, para uma edição em livro. Fiz o projeto as ilustrações e a boneca do livro. Poderia ser lido de qualquer lado, de frente para trás e de trás para a frente...E o título era Amor de ausências...Mathilde Correia Dias.O livro foi impresso e o texto da orelha do livro nos lembra as três gerações reunidas,
Cecília, Mathilde e eu, Fernanda ou Mãe, filha e neta.
Filho de peixe, peixinho é. É.
Eu também escrevo poesia, em papel de embrulho, saco plástico, guardanapo, blog, livro...lençol, camisa, calcinha, etc... etc...

Fernanda Correia Dias
ln Dando flor em casa










quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Companhia do caminho

A melhor companhia no caminho é o próprio caminho.
O caminho conversa, ensina, responde e pergunta.
Aproxime-se do seu caminho. Cada um tem o seu.
Fernanda Correia Dias
in Truques?



quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

B r i n c o   d e   P r i n c e s a !

Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Brinco de Princesa nascendo.

Por onde andei na minha infância?
Em muitos jardins verdes e repletos de nomes... De flores....E de nomes de flores...
Você conhece "Brinco de Princesa"?
Minha mãe e a minha família conheciam vários...
E nos ofereciam porque meninas eram princesas e meninos eram príncipes...
Sinceramente era fascinante pensar no assunto ainda com a minha pequena idade.
Fui acomodando tanta ingenuidade no meu próprio peito, dono daquelas imagens e sentimentos, que passear pelo Rio de Janeiro, era o mesmo que andar por uma residencia imensa e infinita onde eu e todos éramos proprietários daquelas maravilhas acessíveis aos olhos, mãos, sentimentos, palavras....
Superpondo sentidos...metáforas hoje é  universo simbólico, icônico que está sempre vivo e respirando à minha espera.
Neste instante exponho o brinco ao seu olhar, ao meu. Mas eu vejo mais. Vejo o brinco crescido e pendendo do cálice...Que é quando ele vira brinco-pendente e aos pares...Saia rodando prè du corp em um vermelho tomate-seda-crepon. Houve um tempo em que eu de calças verdes e chemise vermelha trazia as orelhas ou os bolsos da camisa recheados de brincos de princesa legítimos e naturais recém colhidos do jardim de casa, acompanhados de folhas... Uns não acreditam que são naturais e outros surpresos porque eu os uso no lugar de jóias ou bijoux ...Tudo o que eu sinto quando ouço as vozes é que cresci e sigo gostando das flores e sendo a mesma e nem me explico aos outros porque meu sorriso também ainda é o mesmo portanto brinque comigo e com esta minha natureza em festa.
Na minha infância os brincos nasciam nos jardins...os colares, os cintos, as sandálias de flores, as guirlandas, as travessas, os broches...as bolsinhas...Tudo nascia no jardim. Na minha adolescência também...Na maturidade também...E as crianças infelizes que não sabem festejar a Beleza, se aborrecem com tanta maravilha...Eu não.Até hoje sigo a mesma.Capaz de você me encontrar amanhã com brincos de princesa. caminhando ao seu lado. Capaz...E ainda me abanando com uma folha seca de amendoeira  neste calor intenso.Capaz...Aja naturalmente.

Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio



terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias . Palmeirinha. Azulejo no Restaurante Quinta

Então aquilo que era inimaginável na cabecinha dos meus amigos, na minha casa acontecia: A Pastora dormia abraçada com o Gato Persa e o Gato Persa abraçado ao Papagainho.
Os três ali, estavam felizes. De dia cada um ia para a sua vidinha territorial. O papagainho atravessava a casa para ir para a varanda, o gato se deitava na janela da cozinha e a Pastora corria os jardins farejando novidades.Os peixinhos nadavam no tanque de azulejos onde as ninféias, lotus e alfacinhas flutuavam...
A vida tem a harmonia possível mais bonita que a inventada.
Anos mais tarde, quando passei de trem pelo Pantanal alagado, vi o nível da água chegar tão alto que das palmeiras só era possível ver as folhas que ficaram acima da água....Parecia um jardim de espelho com folhagens repletas de aves a pássaros.
Explico: Os pássaros e aves que se salvaram do alagamento se reuniam nas folhagens das palmeiras.
Ali pousados na mesma palmeira tucanos, araras, gaviões, corujas, urubus, papagaios, matracas... garças... patos...todos muito diferentes uns dos outros, todos gritando e convivendo ao mesmo tempo, no mesmo local, mas... juntos.

Fernanda Correia Dias
in Museu do índio










Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Céu I

Pedro!, minha mãe clamava ...Pedro minha mãe mudava o tom...Pedrooooo ela repetia em outra musicalidade... Pedro...Seu nome é Pe-drô.
Pedro o pequenino papagaio olhava para ela com o olho esquerdo, depois com o olho direito, balançava o corpo e a cabeça para um lado e para o outro e sapateando fazia graça ia busca-la onde ela estivesse...
Desabotoava a corrente da plataforma, descia e entrava pela casa arrastando a corrente que ficara presa ao pezinho, entrava, localizava a minha mãe, subia pelo corpo dela até alcançar o ombro e iniciava a retirada de todos os grampinhos que estavam no cabelo dela. Retirava um de cada vez e dava um de cada vez  para ela segurar...
Pedro!, minha mãe clamava...Pedro, minha mãe mudava o tom...Pedroooo, ela repetia em outra musicalidade e ele olhava com o olho esquerdo, depois com o olho direito, balançava o corpo e a cabeça para um lado e para o outro e sapateava muito bonitinho...
Minha mãe ria! Minha mãe ria assim: Ah Ha,há, ha,ha,ha,haaaaa Yiouuhuhuhuhuhuhu...Ah Há, h á , h a , h a , ha , haaaaa...e colocava o dedinho em cima da cabecinha dele e ia fazendo uma festinha e a cabecinha do papagaínho ia caindo em cima da barriguinha dele porque ele ficava todo molinho....

Um dia precisava encontrar minha mãe, antes que ela saísse de casa para o Forum.
Chamei, ela não respondeu. Chamei novamente, ela não respondeu. Desci e ouvi minha mãe rindo na varanda... Então fui para a copa e tomei um delicioso copo de leite cru.
Voltei para a varanda e abri a porta de vidro e não vi a minha mãe, mas quando fechei ouvi minha mãe rindo...
Tomei banho, me vesti, peguei meus livros, réguas, tintas e papéis e fui atrás da minha mãe.Precisava do dinheiro que ela me prometera para pagar os papéis dos trabalhos da faculdade que estavam reservados na papelaria...Minha mãe não estava em lugar nenhum. No entanto eu ouvia a risada dela. Ria muito. Onde estava?
Era um tempo em que não existia telefone celular... Um tempo que não existia cartão de débito... E cartão de crédito só o pai usava...Um tempo em que colocávamos gasolina no carro e o frentista recebia o mesmo valor de gorjeta, tão barata era a gasolina...Mas os bons livros, tintas e  papéis de desenho eram importados e caros...
Subo desço, procuro não acho e a risada dela na varanda ecoando pela casa...
Então sentei na varanda esperando que ela aparecesse... e ouvi a risada dela bem alto e vi e ouvi o papagainho realizando aquela fantástica proeza...Papagaio rindo!
Ele ainda não tinha aprendido a falar PÊ-DÊ-RÔ...como mais tarde passou a falar, mas aprendeu a rir idêntico à minha mãe... antes de falar...Como? Papagaio rindo?
É papagaio rindo...Papagaio dormindo com o gato persa e a pastora alemã... os três juntinhos...Todos os dias...Pode?
Pode... Mas esta também é outra história...
Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa. Rio de Janeiro Cidade Maravilhosa

No dia seguinte, escovando meus cabelos outro assovio.Mas quem será que assovia?
De onde me observam? Quem faz isso?
Todos dormindo...Todos?
Não... Tem alguém acordado, não é possível...
Voltei para o quarto, deitei na cama, esperando que alguém batesse na porta avisando sobre o café da manhã... Então ouvi: Cacá... Cacá... Cadê o Cacá?
Abri a porta do quarto e fui para a cozinha onde uma mesa imensa estava repleta de pratos, bolos, pães, sucos, café quetinho, leitinho... mas... Onde estava a "pessoa" ou as "pessoas"?
Não estavam. Virei as costas para voltar ao quarto e ouvi o assovio, ouvi Cadê você?
Então fui para a porta da cozinha de onde vinha a voz e vi a área de serviço, as roupas lavadas penduradas nos varais, outras de molho nas bacias, outras "quarando"... E mais ninguém...Tudo parado.
Na volta vi um papagaio. Um papagaio vermelho. Pequeno. Próximo à soleira-da-porta da cozinha.
Você sabe o que significa soleira-da-porta? Será que no Rio de Janeiro ainda existe alguma porta que toma  sol?
Entrei, passei pela mesa e fui na direção do quarto e ainda ouvi o assovio...e o Cadê você?
Decidi não participar daquele surrealismo, pensei que talvez a casa fosse muito devassada... Que vizinhos... Talvez os vizinhos...Talvez eu tivesse ouvindo os vizinhos... Questão de acústica, talvez...
Fiquei lendo na cama e detestando toda aquela espera com leitura interrompida por assovios e vozes.
Bateram na porta do meu quarto e me chamaram assim: Ué? Você não vai tomar café-da-manhã, não?
Todo mundo já tomou...To-do-mun-do? Como é que eu não ouvi nada... Meu quarto está aqui tão perto da mesa do café...
Então sentei na mesa imensa, tudo já estava revirado, mexido, comido, bebido e tomado...
Em seguida, fui para o varal buscar o biquine e alguém falou assim: Loro...dá o pézinho, Loro...Cadê o Cacá? Cadê? Assovio...Assovio... E hino nacional brasileiro: Ouviram do Ipiranga às margens plácidas... E um bichinho, vermelhinho de asas era o dono daquela voz, do assovio...das perguntas.
Fiquei pasma! Me aproximei e ele continuou como uma vitrolinha...Um brinquedo... (Você sabe o que é vitrolinha??) E repetia todo o repertório... e... Repetia...Fiquei observando aquela língua dura e preta como uma castanha de caju dentro do bico curvo modulando a voz...Modulando o hino e as perguntas...
O papagaio verde da Vó Ana só gritava assim: Loro! Loro! Mas eu nunca vi ele falando...
A palavra Loro... A palavra Loro é que me fez olhar cautelosamente para aquele papagaio vermelho...
E papagaio vermelho fala mais que papagaio verde?
Ninguém respondeu, porque não tinha ninguém...
À tarde, fui conhecer araras que conversavam, que falavam muito... Araras vermelhas e azuis que moravam na casa da amiga e já estavam idosas...
Alguém te contou que araras falam? Não?
Araras falam.
Não sei onde você pode ver ou ouvir.
Araras falam e viviam assim nos jardins das casas de Aquidauana e Anastácio...nos anos setenta.
E já te contaram que papagaio ri? Ah... essa é outra história...
Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio




domingo, 3 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Ton sur ton

Cada um sabe que nada somos se não podemos ajudar quem está ao nosso lado e que é preciso zerar a fome no nosso País e que ainda falta muito...
Reuni roupinhas, brinquedos e sapatos.Tudo tinha sido usado.
Mas os sapatos...Três bolsas equivalentes e seis normais...
O sapatos...De todos os tamanhos para todas as idades de diversas  cores, modelos, para várias circunstancias: Jogar tenis, andar na chuva, subir na montanha, ir e voltar da praia...do trabalho, da escola, etc...
Ofereci e a palavra parecia uma senha mágica: Sapatos! Sa-pa-tos! Ah... Eu adoraria mandar para a Paraíba, para a Mãe, o Pai, irmãos, sobrinhos... Sa-pa-tos! Ah... Dona... a Senhora não sabe como eles precisam... Anda tudo descalço...Já tão acostumados, mas sonham com sa-pa-tos!
Então, são seus. Todos? E pode? Pode. São três bolsas... Grandes... Você tem alguém para te ajudar?
Tenho! Vou hoje mesmo e levo para a Rodoviária.
Passou, levou, mandou carta para a Mãe acompanhando a remessa dos Sa-pa-tos e a mãe respondeu e mandou agradecer muito...Estavam todos felicíssimos com os lindos sa-pa-tos, me contava sobre a felicidade com os olhos cheios d´agua, enquanto me abraçava forte. Sem estudo e alfabetização mãe e filha trocavam cartas que eram ditadas por elas aos escribas que cobravam pelo serviço completo da redação e da postagem... 
No fim do ano, ela e os irmãos compraram para a Mãe uma geladeira. Ajudei. Uma ge-la-dei-ra e enviaram para a casa da Mãe. Na Paraíba.
Usando meu telefone ela ligou para a telefônica da Paraíba para ter notícia se a mãe tinha recebido....Ah...Foi um acontecimento... Todos na cidade sabiam que a Mãe tinha uma geladeira... a Mãe recebeu a ge-la-dei-ra! Mandou avisar que: os irmãos juntaram o dinheiro para o presente cada um deu um tanto e mais outro tanto para ela este ano aindáhr visitáhr a Mãe e o Pai para o Natal nas férias coletivas, porque ela não viu nem a Mãe nem o Pai, hora nenhurrahh i éhrr otio ano!
E me mostrou a fotografia feita em casa, com a mesa de bancos longos onde todos os irmãos e sobrinhos sentavam antes dela vir trabalhar no Rio de Janeiro... O chão de terra batida, o recorte da revista com  Jesus num prego na sala e foi dizendo o nome de cada um. Mais de quarenta...Só vintehr é de Mainha...
Quando voltou de férias coletivas, me contou como foi a visita aos pais na Paraíba:
Cheguei na Paraíba, tomei outra condução, pensei que alguém fosse me  buscar, mas não vieram não. Liguei não. Fui sozinha. Já tinha esquecido como era trabalhoso chegar na minha cidade... A gente esquece rápido as dificuldades, né?
Quando cheguei em casa estava seca... abracei todo mundo, beijei muito meus pais e queria beber uma água geladinha, vi a geladeira ainda com o plástico da loja e disse à Mãe que era caprichosa: Pode tirar o plástico Mãe...A tinta foi pensada para isso e fui puxando...
E quando abri a porta e olhei para dentro, vi todos os sa-pa-tos e sapatinhos arrumadinhos por tamanho e par, dentro da geladeira.
Perguntei à Mãe se ela preferia ter uma sapateira na cozinha ao invés de ter uma geladeira com tudo geladinho... inclusive água... e minha mãe me disse que ela gostou muito dos sapatos, e que tinha guardado os sapatos dentro da geladeira porque ela não tem onde enfiar a tomada da geladeira. Em oito anos, Dona, eu pensei que a luz já tivesse chegado lá... mas ainda não chegou não...

Fernanda Correia Dias
in  Paraíba de Deusa e Leda 1987






sábado, 2 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Cacau no Jardim de Évora e José Carlos

Veio a menina e veio o pé de cacau...A menina está formada, o pé de cacau com muitos frutos.
A Évora, o José Carlos e os meninos estão bem, muito bem... Mas se você não tiver ouvido a Évora contar uma história com a magnífica dicção, você ainda não ouviu uma das maravilhas do mundo...

Fernanda Correia Dias
in Contadoras de Histórias



Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Maré II

Água mole em pedra dura, tanto bate até que fura...!
Fura?
Então fui pensando que o destino de todos os seres humanos era atingir a perfeição.
Que todos diariamente estavam cuidando de seus alambiques, destilando seus erros, revendo e apurando o fio, a Beleza, a Excelência e azeitando os acertos gastos para renovados acertos.
Cuidando de si, da inteligencia, cuidando da saúde, da família, dos amigos...

Agora o carro está parado na Av. Rio Branco e eu crio vozes para as fisionomias que atravessavam a avenida na minha frente.. Me faço  a consciência de cada um, uma consciência falante.
Faço o mesmo comigo, todos os dias, apurando e buscando a perfeição.Sozinha, subindo e descendo o jardim, ou na frente do espelho... ou quando estico mal a coberta, ou deixo caído o cabide... nada de copo sujo na pia... ou um prato esquecido na cabeceira...fora de mim todas as imperfeições. Nada de sujeiras... nada de coisas mal-feitas, mal-acabadas... Concluindo todos os trabalhos com tudo o que eu sei e posso fazer e vou pastorando a minha consciência e me exigindo.
Por que eu me quero assim. Para mim.

Fernanda Correia Dias
in Perpétuo



Fernanda Correia Dias. Fotógrafa . Cacau no jardim de Évora e José Carlos

Terenas em Aquidauana,

Tenho 14 anos e hoje vamos ver os Terenas, comprar anel de coquinho preto... comprar cesto... bichinho de cerâmica...
Viajo com ele por uma estrada horrorosa, toda de barro, com buracos abertos no chão... Imensos...
Meu corpo está todo quebrado... tantos pulos... estamos de pick-up...Trago uns potinhos plásticos lavados e com tampas... Trago dinheiro no bolso do short... Estou de sandálias, short e uma blusinha bem curtinha... muito calor...Ali, ali ele diz... Ali o que? Pergunto... Ali... não está vendo naquela poça... Está cheia das alfaces aquáticas que você quer levar para a Mamãe. Vá lá. Leva os potinhos...
Por que você não nos aproxima? Melhor ficar por aqui, porque neste pedaço tem um jacaré...
Jacaré? É! Estamos em Mato Grosso, esqueceu? 
Se eu ficar aqui posso ver os jacarés...
Desço do carro com os potinhos na mão e apoio os potinhos no chão, estou de cócoras, encho os potinhos com a água da "poça", que de perto não era bem uma poça..e com a tampinha vou colhendo as alfaces aquáticas com suas raízes... e deixo-as boiando nos potinhos...Mas ali de cócoras eu vejo dois olhos se movimento dentro da água... e enquanto levanto cautelosamente percebo que as alfaces também estão levantando e de cima vejo na poça uma forma de jacaré todo coberto de alfaces... e saio correndo em disparada agarrada com dois potinhos e digo para ele: Ligue o carro, ligue o carro, vamos! Lá está um jacaré enoooorme...
Ele está com os pés no teto do carro, às gargalhadas e sufocado de tanto rir...Completamente vermelho...
Repito, vamos! o Jacaré... E ele me explica que ele sabia e que me indicou aquela poça porque conhecia o jacaré... Sinceramente não acreditei que ele tivesse feito aquilo comigo.
Quando entramos na aldeia dos Terenas eu estava sem nenhuma vontade de vê los... E os índios Terenas já estavam completamente longe de seus valores e fundamentos. Usavam óculos escuros, relógios de pulso enormes, cocares, sandálias de plástico, short de marca...e os anéis de coco agora tinham coração... ao invés dos passarinhos, peixes, cobras, estrelas e luas...Comprei uns anéis feios, feios, um cesto e uns bichinhos de barro...tão feios que pareciam bonitos por serem tão feios.

Voltamos à tarde e buscamos as menina.s Fomos nadar no rio Aquidauana ao pôr-do-sol...Um rush de carros na ponte entre Aquidauana e Anastácio... Ele me diz que o rush é porque eu estou de "tanga" (modelo de biquine), mas as meninas também estão... e eu entro na água para não deixar minha tanga visível... Então a ponte fica intransitável completamente  e apinhada de gente...As pessoas gritam...O que elas gritam?
Nãosei. Não ouço. Estamos longe. Vamos para casa?  Voltamos por uma entrada da cidade pouco usada.
Eu estava com muita sede, entrei num botequim e pedi um refrigerante e ouvi uns homens horrorizados com minha blusinha curta...Eu já estava de calça jeans sobre o biquine, de blusa sobre o soutien do biquine e precisava beber algo e aplacar a sede...Quando voltamos, comentei com a mãe da moça que nadamos no rio Aquidauana,.
Oh... lá não...Eu prossegui... Estava lindo... a praia do rio com areia branquinha...branquinha... o sol vermelho...a ponte engarrafou...É eu soube que a ponte engarrafou , a mãe da moça me interrompeu, e prosseguiu... Disseram que tinham umas turistas e um rapaz. Uma delas nadou no rio e certamente elas não devem saber que aquele rio é cheio de cardumes de piranha...Que este peixe é voraz e carnívoro...
É? Já viu? Só vi empalhado... Tem uma boca muito feia...Éramos nós... Será? Éramos...
Então todos já tomaram banho e saem de casa com a mãe da moça. Combino que vou encontra-los no restaurante...e quando eu tiro a roupa no banheiro escuto um assobio... e depois mais outro e outro.
Tomo o banho correndo, me visto correndo bato a porta e vou para o restaurante correndo.
No dia seguinte descubro que papagaios ensinados, assoviam e... falam...Mas esta é outra história...
Alô Mamãe... está tudo bem, já temos alfacinhas aquáticas, anéis de coquinhos, cestinhos e bichinhos de barro...Estamos a quarenta graus, vi um por do sol maravilhoso, tomei banho de rio...Estou comendo chocolate...Beijos, saudades, Te amo Mamãe!
Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio





Fernanda Correia Dias. Fotografa . Cacau no Jardim de Évora e José Carlos

Monte Pascoal

Completei 18 anos no último dia de dezembro e em Janeiro, no seu carro novinho partimos pela estrada à fora.Fomos do Rio de Janeiro à São Luis do Maranhão...
Mas as histórias do caminho...Ah... As histórias do caminho!

Vínhamos eu e ela pela estrada lendo nas placas da rodovia: Parque Nacional do Monte Pascoal...Parque Nacional do Monte Pascoal... Parque Nacional do Monte...Pas...
Eu estou pilota do carro e ela ao meu lado de co-pilota. Revezávamos. Ora ela, ora eu. Quando chegou a entrada, ela respondeu: Sim, Fernandinha, entra! Vamos sim! Sinaliza com o mapa e a caneta na mão, na mão direita.
Uma sapolândia entrou no nosso cérebro! Nos exaltou feérica com cantorias altíssimas e isto é um templo à céu aberto! Ela gosta de sapos, não é? Adorooo fi-lhi-nhaaa!

Então, somos nós, o céu imenso da tarde e a coro da sapolândia, quando paro o carro para ver onde estavam os sapos invisíveis que ela quer capturar um, para que eu veja um sapo...Um sapo! (Nunca vi um sapo calmamente como gostaria de ver, nem um sapo cantando...)....Mamãe...Vamos...Eles estão invisíveis cantando...Para dentro do carro e a tarde estava caindo rapidamente. No retrovisor vejo um índio correndo atrás de nós que estamos dentro do carro. Digo:Mamãe, tem um índio correndo atrás de nós... Ela responde: Mentira! Você está brincando... Não, não estou...É? É... ele corre muito... E tem um a arco na mão...E tem flechas...Minha filha! Que perigo! E não tem ninguém por aqui...Só nós duas e só ele! Só ele Mamãe...É mesmo... Um índio! Acelera Fernandinha... Acelera... Ele não vai nos pegar porque nós estamos de carro...Feche sua janela...Por que? Sei lá... as setas... Mamãe ele é forte... Ele é grande... É velho? Não... ele é grande e está ficando maior....

Depois de acelerar muito, o índio sumiu do retrovisor...Chegamos a um pátio onde vimos o portão do Parque Nacional do Monte Pascoal fe-cha-do...
Era preciso manobrar o carro para voltarmos...na mesma pista que viemos... Enquanto isso o índio crescia no retrovisor e pelo tempo que correu estava desfigurado, de pés descalços, exausto com os olhos nos espetando como setas...
Então, enquanto eu manobrava ele me viu mais de perto e eu resolvi abrir a porta do carro e olhar para ele em pé e ele olhando para mim abaixou o arco e a flecha. Perguntei o que você quer? Ele mostrou a lança, o arco e eu respondi que tenho.... Ele me mostrou as flechas e eu respondi que tenho... Um grupo de índios com mais de trinta indivíduos entre adultos e crianças repentinamente aparece naquele imenso silêncio que a sapolândia faz para emoldurar o encontro.O grupo ataca o nosso carro... Querem as garrafas térmicas, querem os edredons, os bijús de tapioca, os biscoitos, travesseiros e tudo o que veem e fazemos trocas: Colares, cocares, cestas.... e Vamos...Os índios estão descontentes com o Governo. Estão com fome.
Aprendemos algumas palavras enquanto trocamos. Voltamos para a estrada.

Agora eu e você estamos de cocar na cabeça e muitos colares no pescoço.Estamos rindo um susto e somos invadidas por uma sólida felicidade que está instalada nos nossos pulmões e dentes. Ninguém passa incólume por uma experiencia. Nem temos para quem contar nossa nova história de viagem....
Vamos nos contando o que vimos uma da outra, uma para a outra, como espelhos falantes...
Você diz: Queria que você visse, Fernandinha a cara que você fez quando disse ao índio que você tinha arco e tinha flecha... Com este teu cabelo preto liso...Esta franjinha igual à dele...Queria que você visse a expressão dele quando percebeu sua segurança, serenidade e calma, Fernandinha...
Mamãe... eu falei a verdade. Tenho mesmo arco e flecha, aquele que você mesma me deu.  Só não está aqui. Não é não? É.
Estes índios Pataxós usaram conosco estas palavras:  Murici-cala a boca , Patathay-sapato, Mangute-comida, Macaíaba-beijú, Akuã-flecha, Kanhambá-dinheiro, Kaô-pode chegar, Kuinhuna-farinha, Maçaka-colar, Takape-lança, Tapitá-banana. Mas estas palavras eu só descobri o significado depois que voltamos de viagem com as anotações que fizemos com a caneta da Mamãe no mapa...

Fernanda Correia Dias
in Museu do Índio. Respeito a vida







sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Céu em Novembro 2012

Você pode escrever o que quiser numa folha em branco.
Inclusive a palavra pó.
Uma folha em branco escrita vai para sempre ficar para trás, 
porque outras folhas em branco vão sendo preenchidas pelas mãos da vida...
Vão re-escrevendo a mesma história, cada uma no seu tempo, 
mas sempre a mesma história.
Ninguém sabe por que estamos, por que viemos nem o que faremos.
Sejamos sempre e imediatamente
afetuosos, brandos, solidários e amigos.
enquanto vivos.
Morreremos.

Fernanda Correia Dias
In Notícias do Céu