terça-feira, 29 de janeiro de 2013

Fernanda Correia Dias . Fotógrafa . Notícias do Céu IV

Felícitas Barreto, passava por nós com o Tucano Arco-Íris (Oco-Kuri) e parávamos para conversar.
Era linda, com olhos muito azuis e trazia em seu visível coração humano, histórias de entendimento entre os índios e a civilização...Entre os animais e as industrias... Suas últimas tristezas estavam associadas aos olhos de ursinhos e coelhinhos e substancias que eram utilizadas em shampoos que não ardiam nos olhos de crianças ... Mas antes, ela andara pelos céus com seus maridos aviadores, corajosos, que desciam numa clareira no meio da mata, de onde eles decolariam para seguir o voo e de onde ela caminharia sozinha noites e dias para encontrar povos indígenas levando notícias da civilização. Ser Mensageira de Indio, tinha um nome que ela usava para ser identificada... Eu esqueci... quando lembrar escrevo...Ela era uma etnóloga por vocação e expansão de seu conhecimento.

Eu ainda era criança quando conversei com ela pela primeira vez e no ombro ela trazia um Tucano que era muito meu amigo.(tucanos...entre Correia Dias...ganham logo simpatia...)

 Os livros da biblioteca particular de Felícitas eram extraordinários. E os que ela escreveu, são e serão preciosos. Felícitas também desenhava e pintava delicadamente. Foi retratada por Guignard... E seu lindo rosto, as expressões e os movimentos das coreografias que criou foram fotografadas e publicadas em livros e revistas.
Para mim, Felícitas que frequentava a minha casa, fez diversas pinturas-presentes: Tamanduás, Pinguins...Tucanos... Também me recebia no apartamentinho dela... A cama era mesa para pintura. Mesa para me mostrar seus trabalhos e seus livros... Não tinha colchão. Era uma tábua branca. Bem branca que descia da parede por dobradiças e correntes. Tudo tinha um lugar.A janela do apartamentinho era também o viveiro para Oco-Kuri...o tucano que ganhou do noivo Aparabé.... Este tucano defendeu Felicitas de ladrões que invadiram o apartamento dela em Copacabana.
Felicitas tinha um carro e dirigia. Um dia , atravessando com  seu carro o Tunel Dois Irmãos na direção para a Barra da Tijuca e acompanhada de Oco-Kuri, ele se assustou, saiu pela janela do carro e voou na direção contrário do transito... Por ser mão única, Felícitas teve que fazer a volta ao fim do túnel extenso e retornar ao mesmo túnel procurando seu tucano Oco-Kuri... Nunca mais o encontrou. Este tucano já trazia o bico perfeitamente restaurado depois de quebrar num acidente...Felícitas  tinha um nome indígena que adquiriu quando viveu entre os indios: Anchu Nuno.
Felícitas sempre me abraçava quando me via e enquanto me abraçava me dizia um longo e apertado: Fer-nan-di-nha....
Este abraço que ela me dava era algo que contrariava completamente o que ela pregava: Os índios não abraçam nem beijam para não transferir doenças. São muito assépticos.
Réquiem para os índios, A alma da natureza foge da Terra...Danças do Brasil, Felicitas Barreto Libertária e Liberta, são títulos de obras escritas por ela que dançou danças brasileiras no teatro de Isadora Duncan em Paris recebendo dia após dia tempestades de aplausos!
As Revistas Life, National Geographic trazem fotos e matérias sobre Felícitas.
Ela não gostava de roupas e dizia que se sentia fantasiada por ter que usar roupas.Então chegando em casa dela, ela se despia na frente de qualquer um e ficava nua como se estivesse vestida.Na maior naturalidade.
Sem ofender ninguém. E a naturalidade era tão severa que se impunha em segundos.
De mim, ela preferia receber roupas da minha loja: shortinhos e blusinhas bem curtinhas e levinhas.Ela me dizia que eu sabia fazer roupa para o Brasil: em fibras naturais, com lindos desenhos e modelos confortáveis.
Felicitas participou das fotografias da coleção de 1988 posando para mim como modelo fotográfico.
É que eu sempre defendi a ideia de que a roupa é antes de tudo, qualidade de vida.
Ainda aos noventa e dois anos Felicitas Barreto andava pelo Rio de Janeiro e pelo mundo com os mais atualizados shortinhos e blusinhas da minha empresa.
Felícitas deixou comigo algumas dedicatórias em livros, desenhos e cartões Uma das dedicatórias de Felicitas é esta, para a minha mãe, que vivia comigo em minha casa, em Copacabana e onde as duas jogavam e escreviam diversas cartas e conversavam: Matilde    No dia que te encontre, fiz as pazes com o destino e a humanidade . Felicitas.
Deixei Copacabana  e três meses depois Felicitas  faleceu em seu apartamento aos noventa e dois anos, no dia 7 de Novembro de 2003.
Eu tive amigas com cento e cinco anos e os noventa e dois anos de Felicitas nunca nos assustaram.
Minha mãe me ensinava e eu aprendi que as pessoas que estão nas nossas vidas sabem por que estão.Nós é que não sabemos. Devemos aprender com cada uma dessas pessoas e ensinar o que soubermos.Ampara-las.Ajuda-las. Sempre. 
Felicitas faleceu no dia e mês de nascimento da minha Avó Cecília Meireles. Sete de Novembro.

Era um anjo que dançava comigo esta frase: Viver não é comer arroz e feijão! Viver não é comer arroz e feijão!Enquanto por nossas mãos passavam as obras que estávamos realizando...

Dançamos muito esta frase, tal como uma outra que danço com minhas filhas e que é de Balu em Mogli...começando assim... Eu uso o necessário, Somente o necessário O extraordinário é demais...   por isso é que eu vivo em paz...
Oco-Kuri, significa Arco-íris...ouça... oco-kuri...arco-íris...ouça e aprenda alguma coisa...Seu ouvido interior quando ouvir vai entender algo mais universal...

Fernanda Correia Dias
In Nós e  Felicitas Barreto, 
Para minhas filhas Kenya e Gaya e 
minha linda mãe Maria Mathilde

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