quinta-feira, 22 de novembro de 2012

Fernanda Correia Dias. Fotógrafa. Cecília Sete de Novembro de 2012

Hoje é dia de Santa Cecília e a Música!
Convivi com muitas  Cecílias santas...
A primeira, primeiríssima, tinha os olhos verdes e humanos, excepcionalmente tão verdes e humanos, que todos percebiam a evidencia da Deusa e tocados pelo olhar, suspendiam suas vozes ao mais alto sorriso.
Quando ela aparecia, conversava, saía ou se despedia, todos ainda restavam imóveis ou com gestos muito lentos, metabolizando os ecos e as ressonâncias e assemelhavam-se à esculturas conversando tardiamente com afetivas inteligencias.
Aqueles olhos verdes, cravados em pálpebras como jóia única, de autor apaixonado por Beleza, Equilíbrio e Expressão, eram tons da luz e de sombras falantes. Olhos totalmente musicais com acento circunflexo, vírgula, crase, parenteses transparentes...Eu entendia e me surpreendia de entender tantos tons!
Voz querida erguida em honestidade e a voz da honestidade de tão honesta toma as dimensões gigantes e definitivas das transparências do cristais inacreditáveis e impossíveis... Tudo verdade. Ontem, hoje e sempre, completamente contemporânea porque humanamente vocalizava o próprio órgão da Eternidade. O instante, a vida.
Sugiro que você a conheça, que leia sua obra em prosa e poética, que compartilhe e divulgue, que a mantenha como amiga, viva e amplie-se, porque você tem o sopro e é de sopro que é feita a vida.
Era a mãe da minha mãe. Minha Avó Cecília.

A segunda Cecília, era bem pequena, pouco maior que a minha mão aberta de criança.
Deitada, os joelhos e os braços juntos na direção oposta do rosto...
Dormia esculpida no mármore e eu tinha uma comoção e um desejo secreto de socorrer, levantando aquele pequeno corpo da pedra marfim e era impossível não ter vontade de assoprar uma cançãozinha de salvação improvisada que ia toando como um abandono, enquanto eu também morria, quieta e sozinha,várias vezes, diante da renúncia de levantar-se daquela matéria. Eu e ela somos só música...bem perto da vida eterna...Me ensina a não morrer, a dizer sim para a vida e viver para todo instante e todas as coisas.Inclusive as mais graves.

Outra Cecília tocava um órgão e cantava sobre um cartão, toda feita de pedaços de papel, cortes e recortes de revistas, emoldurada na salinha de música, tinha um intrigante aro deitado sobre a cabeça, sinalizando a santidade e trazia a dedicatória amiga da Maria, da Helena, da Vieira, da Silva.Aqueles recortes somando cor, forma e imagem era a própria partitura da canção da honestidade. Dos tempos de socorro e gratidão.Não era Arpad? 

Outra Cecília, não se chamava Cecília, se chamava Mathilde.
Foi mãe da mãe, das irmãs, dos filhos, dos amigos, das amigas, das bonecas, dos desconhecidos...
Era A Prática, A Exemplar, A Minimalista... não precisava nunca de nada e ainda convidava você para sentar perto dela. Uma contemporânea dela, outro dia me contou que quando ainda era muito pequena e chegou órfã no Instituto Lafayette, a professora recebeu a diretora acompanhada da menina, quando todas já estavam sentadas na sala de aula.Inclusive Mathilde. Mathilde encolheu-se e abriu espaço ao seu lado e chamou a menina que nunca mais esqueceu Mathilde...A menina reencontrou Mathilde e quis agradecer aos 83 anos... Agradeceu. Mathilde já tinha me contado o encontro. Mas eu gostei de ouvir a versão da menina de 83 anos...Mathilde não tinha esquecido a menina... Mas não guardou o nome dela...Não importa, "lembro que fiz , sim, porque a vida é para frente."
Não conheço ninguém que não tenha saudades dela, que não se lembre de seu sorriso...que gostava de nos colocar nos braços, de nos beijar muito e de nos fazer longas e infinitas festinhas nos encorajando com a frase: Os amigos de verdade são os amigos da necessidade.
Essa Mathilde, eu encontrei dormindo com os joelhos e os braços na direção do rosto e as duas mãozinhas juntas, debaixo da face. Os lábios fechados, os olhos fechados. Dormia esculpida no mármore e eu beijei muito, falei, brinquei...agradeci...
Até que ela ao meu lado me disse : Agora estou dentro de você, não estou mais ali, a alminha... é a primeira a sair...ficou a casquinha...e você vai ter que cuidar do precioso corpo... E este "precioso corpo" foi dito com a ironia de quem desprezava as distancias corporais, de quem estava perto, sempre muito perto e abrindo espaço para estar cada vez mais perto do ser humana, o que é uma forma de socorro e sabia que podia contar comigo de verdade para viver dentro de mim como está.

Quatro Cecílias definitivas no meu coração, imediatamente para você refletir sobre "Talvez".

Fernanda Correia Dias
in Geografia Familiar
Para as minhas filhas Kenya e Gaya e para os amigos de todas as Cecílias





2 comentários:

  1. Eu adorei estes três!
    Te envio trezentos e sessenta e cinco ou sessenta e seis, (se o ano for bi-sext)
    de uma vez, tal como você fez,
    em português, um para cada dia de cada mês, renováveis todos os anos enquanto viveres,
    autorizada a vertê-los-líquidos-e-certos para o inglês!
    Fernandinha

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